terça-feira, 20 de março de 2012

PLATÃO (427-347 a. C.) E O REINO DAS IDÉIAS

Platão, pintado por Rafael (detalle de "A Escola de Atenas")
Platão nasceu em Atenas em 427 a.C. e morreu em 347 a.C. Filho de uma família da aristocracia ateniense, sofreu a influência de dois pensadores notadamente: Pitágoras de Samos (580-497 a.C.) e Sócrates (469-399 a.C.). Em 387 a.C., Platão fundou a Academia, que se constituiu, junto com a Biblioteca de Alexandria, numa das mais importantes iniciativas culturais do Mundo Antigo, tendo funcionado até 529 d.C., quando foi encerrada por ordem de Justiniano I. Convidado pelo rei Dionísio, passou um bom tempo em Siracusa, ensinando filosofia na corte.


Com a sua teoria das Idéias, Platão construiu um sistema que aproximava a filosofia pré-socrática das reflexões do seu mestre, Sócrates. Mas, em decorrência da abrangência e da profundidade que imprimiu ao seu sistema, Platão, por outro lado, formulou um pensamento com repercussões que nenhum outro filósofo conseguiu ter na História do Pensamento Ocidental. A respeito, frisa Alfred North Whitehead (1861-1947): “Toda a filosofia ocidental não passa de notas de rodapé das páginas de Platão” [1].

Os aspectos básicos da Teoria das Idéias de Platão podem ser sintetizados nos seguintes 12 itens:

1 – É pressuposto, por Platão, um reino hipotético de essências imateriais, eternas e imutáveis que constitui o mundo das Idéias (eidos). As Idéias são arquétipos da realidade e, de acordo com elas, são formados os objetos do mundo visível. A propósito, escreve Platão no seu diálogo Fédon, destacando que as Idéias constituem o paradigma do Ser e da Verdade: “- Então – prosseguiu Sócrates: minha esperança de chegar a conhecer os seres começava a esvair-se. Pareceu que deveria acautelar-me, a fim de não vir a ter a mesma sorte daqueles que observam e estudam um eclipse de sol. Algumas pessoas que assim fazem estragam os olhos por não tomarem a precaução de observar a imagem do sol refletida na água ou em matéria semelhante. Lembrei-me disso e receei que minha alma viesse a ficar completamente cega se eu continuasse a olhar com os olhos para os objetos e tentasse compreendê-los através de cada um de meus sentidos. Refleti que devia buscar refúgio nas idéias e procurar nelas a verdade das coisas (...). Assim, depois de haver tomado como base, em cada caso, a idéia, que é, a meu juízo, a mais sólida, tudo aquilo que lhe seja consoante eu o considero como sendo verdadeiro, quer se trate de uma causa ou de outra qualquer coisa, e aquilo que não lhe é consoante, eu o rejeito como erro” [2].

2 – As Idéias existem de forma objetiva, ou seja, independentemente do nosso pensamento. Em que pese o fato de serem independentes dele, podem por ele ser conhecidas. Em decorrência disso, a doutrina platônica foi caracterizada pelos estudiosos como um idealismo objetivo. Por exemplo: o fato de que, para além de constatarmos a existência de seres vivos como moscas, peixes ou cavalos, reconheçamos neles a característica comum de animais, isso indica que existe um arquétipo comum, “animal”, que está presente de alguma forma em todos os animais e que determina a sua maneira de ser. O fato de que o nosso entendimento possa conhecer as Idéias (ou seja, os arquétipos subsistentes do real, que existem fora de nós), faz com que Platão seja considerado pelos estudiosos como o fundador da perspectiva realista ou transcendente, ou seja, aquela que pressupõe que o entendimento humano tem acesso à coisa em si. Esta perspectiva contrapõe-se à transcendental, que parte do pressuposto de que o nosso entendimento somente pode ter acesso aos fenômenos (àquilo que aparece), não às coisas em si; esta perspectiva foi formulada e sistematizada, no século XVIII, por Hume e Kant [3].

3 – Platão, por outro lado, postula a teoria dos dois mundos. O primeiro é o mundo visível ou sensível, no qual se desenvolve a nossa existência e que está submetido à mudança e à degradação. O segundo é constituído pelo mundo inteligível (que fundamenta a essência do primeiro). É o mundo das Idéias imutáveis. Este é um mundo do tipo que os Eleatas encontravam como próprio do Ser: é o reino da permanência e da imutabilidade. No diálogo Fédon é clara a contraposição que Platão faz desses dois mundos, sendo que o de baixo, aquele em que habitamos, é caracterizado pela precariedade, ao passo que o de cima, o verdadeiro, é um mundo de luz e de perfeição.

A respeito, escreve o filósofo, destacando a precariedade da região das sombras em que nós, mortais, vivemos, ao passo que o mundo dos arquétipos caracteriza-se pela perfeição, luminosidade, incorruptibilidade e beleza: “(...) Morando num buraco da terra, acreditamos estar na sua superfície exterior, e damos ao ar nome de céu, como se os astros de fato planassem no ar, nosso céu. O caso é bem o mesmo: por fraqueza e indolência estamos impossibilitados de subir até o ar superior. Se alguém escalasse a parte superior da terra, ou voasse com asas, esse alguém haveria de contemplar o que existe por lá, e se sua natureza fosse bastante forte para lhe permitir uma observação prolongada, verificaria que aqueles é que são o céu verdadeiro, a luz verdadeira e a terra verdadeira – assim como os peixes, que sobem do mar, vêem o que há em nossa terra! Esta parte da terra em que nos achamos, as próprias pedras e suas diferentes regiões, estão corroídas e desgastadas, assim como está desgastado e corroído pela água salgada tudo o que há no mar (....). Quanto à outra terra, constituída como é, tudo o que aí existe, existe adequadamente – árvores, flores e frutos; do mesmo modo, por sua parte, as montanhas; e as pedras aí têm, proporcionalmente, muito mais beleza quanto ao polimento, transparência e coloração: e as pedrarias de cá embaixo, as pedrarias que qualificamos de preciosas, nada mais são do que suas lascas (...). Enfim, nessa remota região, se não há nada comparável às coisas daqui, tudo é muito mais lindo e mais precioso (...)” [4]

4 – O mundo sensível está submetido ao mundo das Idéias, tanto do ponto de vista ético, quanto do ângulo ontológico. Ele só se estrutura por participação (methéxis) ou por imitação (mimésis) do mundo verdadeira e plenamente existente das Idéias. São esses processos que garantem a existência do mundo das coisas: elas existem, porque são participação e imitação das Idéias. Em relação a este ponto, escreve Platão no diálogo Parmênides, colocando em boca deste filósofo a teoria platônica da methéxis e da mimésis: “(...) – Dize-me uma coisa: pelo que declaraste, admites a existência das idéias, das quais as coisas tiram os nomes, na medida em que delas participam, a saber: a participação da semelhança as deixa semelhantes, a da grandeza, grandes, e a da beleza e da justiça, justas e belas? – Perfeitamente, teria respondido Sócrates” [5] .

5 - Do ponto de vista da forma segundo a qual conhecemos as realidades essencial e aparente que acabam de ser mencionadas, Platão formula quatro tipos de conhecimento, sendo que dois pertencem ao mundo visível e dois são próprios do mundo que somente é acessível ao espírito. Os quatro tipos são estes:
·        Aquilo que é perceptível indiretamente (exemplo: as sombras e os reflexos dos espelhos).
·        Aquilo que é perceptível diretamente (exemplo: os objetos materiais e os seres vivos).
·        Aquilo que é conhecido pelas ciências (exemplo: a matemática, a qual, superando o suporte material – as figuras geométricas –, atinge um conhecimento intelectual como o relativo aos teoremas universais).
·        Aquilo que constitui o reino das Idéias e que é acessível à “razão pura”, que está na base de todas as representações intelectuais.

6 – Ponto central da doutrina platônica: a Idéia do Bem. Embora o Bem ocupasse um lugar de destaque no pensamento de Sócrates (como valor ético que deve inspirar ao cidadão), para Platão, no entanto, reveste-se de uma radicalidade maior: o Bem é o fim almejado e o começo de todo ser, tanto do ângulo gnosiológico, quanto do ponto de vista da ontologia. O Bem, segundo Platão, é o princípio radical de todas as Idéias e se situa acima delas. É nele que se fundam as Idéias de Ser e de Valor e, com elas, se instauram os fundamentos do mundo inteiro. O Bem cria a ordem, a medida e a unidade do mundo. A respeito, frisa O. Gignon: “Para Platão, a questão: por que o Bem? É uma pergunta que não faz sentido. Podemos indagar por aquilo que há para além do ser, mas não podemos perguntar acerca do que há a por trás do Bem” [6].

7 – O homem não pode ter acesso ao conhecimento do Ser, senão à luz do Bem. Essa luz é, para a razão humana, como o sol para os olhos. No entanto, é um sol que não somente ilumina, mas que também garante a presença dos objetos iluminados no Ser. Em A República, Platão afirma: “Podes estar seguro de que aquilo que comunica a verdade aos objetos cognoscíveis e ao espírito a faculdade de conhecer, é a Idéia do Bem (...). Os objetos do conhecimento não contêm somente a faculdade de virarem cognoscíveis, mas ainda a existência e a essência do Bem, que não é uma coisa existente, mas que a ultrapassa em elevação e força” [7]. Um pouco mais adiante, nesse mesmo texto, Platão completa assim o seu pensamento: “(...) O sol dá aos objetos visíveis não somente a faculdade de serem vistos, mas ainda lhes fornece a gênese, o crescimento e o alimento, em que pese o fato de ele não se restringir a ser essa gênese”.

8 – Sobre o pano de fundo metafísico e gnosiológico que acaba de ser exposto, Platão constrói a sua Física. O mundo da natureza é, segundo o filósofo no diálogo Timeu [8], constituído da seguinte forma: “O mundo material do devir é instaurado por um operário do mundo, um demiurgo, de forma ordenada e conforme à razão (teleologia), na medida em que ele o modela segundo o arquétipo das Idéias”. O mundo, assim, constitui uma ordem harmônica, o que em grego se traduz pelo termo Cosmos. A matéria prima na qual é concretizada a encarnação das Idéias é o receptáculo (déchoménon).

9 – Sobre as bases metafísicas e físicas que acabam de ser mencionadas, Platão elabora a sua gnosiologia, inserindo os quatro tipos de conhecimento que foram mencionados no item 5, no contexto da teoria acerca das faculdades cognitivas da alma. Os tipos de conhecimento e as respectivas faculdades são os seguintes, a começar pelos que se ligam ao mundo material e seguindo até aqueles que o superam. O quadro a seguir sintetiza estas variáveis:


TIPOS DE CONHECIMENTO

I – Conhecimentos visíveis, através de imagens (eikónes).

II- Conhecimentos de Totalidades Visíveis (fóa, hóla).

III – Conhecimentos Científicos Racionais, ou Invisíveis Inteligíveis inferiores (mathémata, noetá).

IV – Contemplação Intelectiva (eide, noetá).     


FACULDADES DA ALMA

I – Sensibilidade (aísthesis) e Imaginação (eikasía).

II – Opinião (dóxa) e Crença (pístis).

III – Razão (diánoia) equivalente da ratio, para os Latinos.

IV – Intelecção (nous, theoria), equivalente do intellectus, para os Latinos.



10 – A teoria de Platão acerca do homem insere-se no contexto de sua doutrina acerca do Conhecimento e do Ser, que foi sintetizada nos itens anteriores. Como se torna possível, aos homens, a Contemplação Intelectiva, mediante o pleno exercício da Intelecção? Esse tipo de conhecimento, o mais perfeito ao qual o homem pode aspirar, não procede dos níveis inferiores de apreensão da realidade (a partir do mundo sensível). Procede tal conhecimento intelectivo, no entanto, de uma reminiscência da alma da sua passagem ou da sua proveniência do Mundo Inteligível. Todo conhecimento intelectivo é, portanto, reminiscência ou anámnese. A alma do homem, segundo Platão, contemplou as Idéias numa existência anterior, mas as esqueceu depois da sua entrada no corpo. Nele, a alma vive encadeada.

A alegoria da caverna, que Platão apresenta na sua obra A República [9], ilustra essa situação da alma presa no corpo. Os homens são semelhantes a prisioneiros encadeados no fundo da caverna, não podendo ver nada do mundo real. Aquilo que eles tomam como a realidade são sombras de objetos fabricados cujas silhuetas uma fogueira projeta sobre a parede da caverna. A anámnese é representada mediante a visita que um dos prisioneiros faz ao mundo exterior, onde contempla os objetos naturais e o sol, tal como eles são na realidade. As sombras e os objetos na caverna correspondem à experiência sensível, ao mundo situado fora do inteligível. A força que conduz o homem em direção à região do Ser e do Bem é Eros. Ele acorda, em nós, o desejo de nos levantarmos até o conhecimento das idéias. No diálogo Banquete, Platão caracteriza Eros como a busca filosófica da beleza e do conhecimento. Ele estabelece, para os humanos, a ponte entre o mundo sensível e o inteligível. Platão denomina de dialética o método que conduz à descoberta do mundo das Idéias, sob o impulso de Eros. A dialética ou a busca filosófica da Beleza e do Conhecimento, ocorre na relação do eu com os outros homens, na qual se concretiza o ato pedagógico (épimeléia) de procurar a verdade que diz relação aos humanos, superando o conhecimento do mundo físico.

Platão, certamente, herdou do seu mestre Pitágoras de Samos (580-497 a.C.), a concepção bipolar do homem, como cindido entre dois princípios irreconciliáveis, corpo (soma) e alma (psyché). É herança pitagórica, outrossim, a concepção segundo a qual a alma deve controlar o corpo. A alma, substância homogênea que se compara às Idéias imutáveis e eternas, justamente por essa sua característica elevada (que a coloca por cima da matéria), está habilitada para conhecer o mundo dos Arquétipos e é capaz de se movimentar por si própria. Platão afirma que a vida é característica essencial da alma, não podendo ela, em conseqüência, admitir a morte.

A alma, por sua vez, possui três partes: a razão (faculdade que é portadora da fagulha divina que os homens levam consigo), a coragem (a parte nobre) e os apetites (a parte inferior). A razão é simbolizada por Platão como o cocheiro que conduz o carro, sendo que a coragem é o cavalo que obedece e os apetites são simbolizados pelo cavalo rebelde. Três virtudes emergem, segundo o filósofo, dessas partes da alma: a sabedoria (da razão), a perseverança (da coragem) e a moderação (dos apetites controlados pela razão). No entanto, há uma virtude que, presente na alma, permite ao homem estabelecer um equilíbrio harmonioso entre as três virtudes mencionadas: ela é a justiça (dikaiosyné).

A partir da estrutura racional da esfera das Idéias, Platão deduz o postulado do poder soberano da razão, mas também o da sua concretização nas denominadas virtudes cardeais. Mas há, paralelamente, no homem, uma cisão que o afeta e que parte da desvalorização que o pensador atribui ao corpo, como princípio opaco que se contrapõe à luz de que é portadora a alma. Para o homem poder se guiar ao longo da vida precisa ir superando a materialidade do corpo, no exercício assíduo da razão e das virtudes cardeais. O homem deve almejar por uma recompensa após a morte. O pensador imagina que a alma poderá, livre das amarras da corporeidade, participar do reino do espírito puro. A virtude, em que pese o fato dessa visão teleológica que aponta para o mundo das Idéias e do Sumo Bem, possui também uma justificativa na esfera da vida terrena do homem: ela constitui, para Platão, a melhor maneira de viver neste mundo.

11 – A Política, para Platão, espelha a concepção antropológica que acaba de ser resumida. O Estado repete a estrutura do indivíduo. Platão deixa claro que entramos na ordem política, não por causa das nossas virtudes, mas em decorrência das carências que nos afetam. O Estado, para o filósofo, divide-se em três ordens[10]: a dominante, integrada pelos filósofos ou sábios (representantes da razão e os únicos que são aptos para buscar a maneira justa segundo a qual os cidadãos devem pautar a sua vida); em segundo lugar vem a ordem dos guerreiros (que são aqueles que constituem a parte sensível da alma, ou que representam a coragem) e a ordem dos produtores, que corresponde à parte sensível da alma (artesãos, comerciantes, camponeses que devem garantir os bens materiais de que a sociedade carece).

A educação deve ser conduzida rigorosamente pela Cidade-Estado, a fim de garantir o máximo de eficiência e racionalidade na sua defesa e na gestão dos assuntos públicos. A educação para a cidadania (paidéia) deve abarcar a vida toda dos cidadãos e contempla as seguintes etapas: educação elementar pela música, a poética e a ginástica (até os 20 anos); educação científica, que abarca: matemáticas, astronomia e ciência da harmonia (deve durar 10 anos); iniciação à dialética ou filosofia (com duração de 5 anos); educação política (que consiste na prática da gestão do Estado e que deve durar 15 anos). Após todas essas etapas, o cidadão poderia escolher entre o acesso ao poder do Estado ou a vida contemplativa.

O filósofo cultuava um modelo de gestão total do Estado sobre os cidadãos, segundo o qual o Rei Filósofo e os seus colaboradores deveriam prever todos os aspectos da vida privada (concernentes às relações sexuais, à geração dos filhos, à religião e à educação de jovens e crianças). A idéia seria garantir a seleção dos melhores para a condução e a administração do Estado, bem como para a sua defesa. A célula mater da sociedade não seria, pois, a família, nem o clã, e passaria a ser o aparelho administrativo rigorosamente controlado pelo Rei-Filósofo. A constituição do Estado proposto por Platão seria, portanto, uma aristocracia, ou governo dos melhores. Na parte final da sua obra política (que é constituída pela obra intitulada As Leis, escrita na velhice), o pensador insistia menos no Rei-Filósofo e enfatizava o papel das leis (corretamente entendidas pelos cidadãos), na estruturação do regime ideal.

A Filosofia Ocidental, ao longo da sua história, fez eco a esses ensinamentos do mestre ateniense, nos vários modelos de poder racional e total que foram desenvolvidos, por exemplo, na Renascença italiana, com a obra de Tomás Campanella (1568-1639) intitulada: A cidade do Sol e com O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Na modernidade, ecoam os ensinamentos políticos do platonismo no Leviatã, de Thomas Hobbes (1588-1679) e se projetam até a contemporaneidade nos vários autores que defendem o poder total nas multifacetadas versões de despotismo hidráulico, apresentadas por Karl Wittfogel (1896-1988) na sua clássica obra: Despotismo Oriental – Ensaio interpretativo do Poder Total [11]. No seio da meditação brasileira, duas abordagens dos modelos de poder total são importantes: a desenvolvida por Roque Spencer Maciel de Barros (1927-1999) no seu clássico estudo intitulado: O fenômeno totalitário [12] e a recente obra de Antônio Paim (nasc. 1927), Marxismo e descendência [13].

12 – Caminho pedagógico para a dialética: o diálogo. É através dele que os homens encontram os conceitos que representam as Idéias. Estas vão se revelando aos homens dialeticamente, sem recurso à representação das coisas do mundo sensível. O diálogo entre os humanos possibilita a análise e a síntese dos conceitos, bem como a formulação de hipóteses que são examinadas e, logo, aceitas ou rejeitadas. Os personagens presentes nos diálogos platônicos defendem, deliberadamente, posições opostas, com o objetivo de examinar as teses, à luz das suas antíteses. Dessa oposição emerge a verdade.

 Platão consolidou, na tradição filosófica ocidental, o gênero diálogo, que passou a formar parte das várias modalidades de expressão literária do pensamento filosófico. Inúmeros autores, das mais variadas épocas, passaram a se inspirar no mestre ateniense, como por exemplo, Leão Hebreu (Iehuda Abravanel, 1465-1534), o pensador português do século XVI que escreveu os conhecidos Diálogos de Amor [14]. Outro autor que cultivou o diálogo filosófico para exprimir o seu pensamento foi Leibniz (1646-1716), na sua obra fundamental intitulada: Novo tratado sobre o entendimento humano [15]. Na filosofia brasileira, são lembrados por muitos os diálogos filosóficos de Vicente Ferreira da Silva [16] (1916-1963), integrante da denominada Escola de São Paulo.

Sócrates é o personagem principal dos diálogos platônicos (uma evidente homenagem de Platão ao seu mestre). A interpretação dos diálogos insere-se numa dinâmica dialética do pensamento, como foi frisado pouco antes. A estrutura dialogal da sua obra possibilita ao pensador se esconder por trás da figura de algum dos interlocutores. A temática tratada nos 25 Diálogos considerados autênticos é variada: a questão da virtude (que é o ponto central dos diálogos de juventude), passando pela problemática do conhecimento (Menon e Teeteto, por exemplo), a política (A República, As Leis), bem como a filosofia da natureza (Timeu).

A forma literária dos diálogos platônicos, certamente, é um instrumento em mãos do pensador para realizar a ponte entre mito e lógos. No pensamento do filósofo, a estrutura da realidade alicerçada no Sumo Bem e nos Arquétipos nele subsistentes, ocupa o lugar da antiga teomaquia (ou combate entre os deuses, que teria dado origem ao Cosmo). O diálogo equivale, no pensamento platônico, ao rito, na estrutura mítica. È no diálogo que acontece a magia da revelação da verdade para os homens que dele participam.


[1] Cit. por Kunzman – Burkard – Wiedmann, in: Atlas de la Philosophie, trad. francesa de Desanti, Droit et alii, Paris:  Librairie Genérale Française, 1993, p. 39
[2] PLATÃO, Diálogos. (Tradução e notas de J. Paleikat e J. Cruz Costa; seleção de textos de J. A. Motta Peçanha). 4ª edição. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 106.
[3] Cf. PAIM, Antônio. Roteiro para o estudo da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. Juiz de Fora: UFJF - Curso de Mestrado em Filosofia, 1984, p. 2, (mimeo.).
[4] PLATÃO. Diálogos. Ob. cit., p.  118-119.
[5] PLATÃO. Diálogos – Volume VIII Parmênides – Filebo. (Tradução de Carlos Alberto Nunes). Belém: Universidade Federal do Pará, 1974, p. 26-27. Coleção Amazônica – Série Farias Brito.
[6] Cit. por Kunzman – Burkard – Wiedmann. Atlas de la philosophie, ob. cit., p. 39.
[7] PLATÃO. L´État ou la République. (Tradução francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 249-250.
[8] Cit. por Kunzman – Burkard – Wiedmann. Atlas de la philosophie, ob. cit., p. 39.
[9] PLATÃO. L´État ou la République. (Tradução francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 271-275.
[10] PLATÃO. L´État ou la République. (Tradução francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 86 seg.
[11] Cf. WITTFOGEL, Karl. Le Despotisme Oriental. (Tradução francesa de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.
[12] BARROS, Roque Spencer Maciel de. O fenômeno totalitário. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990.
[13] PAIM, Antônio. Marxismo e descendência. Campinas: Vide Editorial, 2009.
[14] HEBREU, Leão. Diálogos de Amor. (Texto fixado, anotado e traduzido por Giacinto Manupella). Volume II – Versão Portuguesa – Bibliografia. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983. Devido ao fato de o autor ter sido expulso pela Inquisição portuguesa para Espanha (onde a Inquisição também o perseguiu, tendo seqüestrado o seu filho), Leão Hebreu terminou escrevendo a sua obra na Itália, sendo a primeira versão da mesma composta em italiano.
[15] LEIBNIZ, Gottlibeb Wilhelm. Nuevo tratado sobre el entendimiento humano. (Tradução ao espanhol e prólogo de Eduardo Ovejero y Maury). Buenos Aires: Aguilar, 1980, 2 vol.
[16] Cf. SILVA, Vicente Ferreira da. Obras completas. (organização e Prefácio de Miguel Reale). São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, 1964, 2 vol.

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