Platão, pintado por Rafael (detalle de "A Escola de Atenas") |
Platão nasceu em Atenas em 427 a.C. e morreu em 347
a.C. Filho de uma família da aristocracia ateniense, sofreu a influência de
dois pensadores notadamente: Pitágoras de Samos (580-497 a.C.) e Sócrates
(469-399 a.C.). Em 387 a.C., Platão fundou a Academia, que se constituiu, junto
com a Biblioteca de Alexandria, numa das mais importantes iniciativas culturais
do Mundo Antigo, tendo funcionado até 529 d.C., quando foi encerrada por ordem
de Justiniano I. Convidado pelo rei Dionísio, passou um bom tempo em Siracusa,
ensinando filosofia na corte.
Com a sua teoria das Idéias, Platão construiu um sistema que aproximava a filosofia pré-socrática das reflexões do seu mestre, Sócrates. Mas, em decorrência da abrangência e da profundidade que imprimiu ao seu sistema, Platão, por outro lado, formulou um pensamento com repercussões que nenhum outro filósofo conseguiu ter na História do Pensamento Ocidental. A respeito, frisa Alfred North Whitehead (1861-1947): “Toda a filosofia ocidental não passa de notas de rodapé das páginas de Platão” [1].
Os aspectos básicos da Teoria das Idéias de Platão
podem ser sintetizados nos seguintes 12 itens:
1 – É
pressuposto, por Platão, um reino hipotético de essências imateriais,
eternas e imutáveis que constitui o mundo das Idéias (eidos). As Idéias são arquétipos da
realidade e, de acordo com elas, são formados os objetos do mundo visível. A
propósito, escreve Platão no seu diálogo Fédon, destacando que as Idéias
constituem o paradigma do Ser e da Verdade: “- Então – prosseguiu Sócrates:
minha esperança de chegar a conhecer os seres começava a esvair-se. Pareceu que
deveria acautelar-me, a fim de não vir a ter a mesma sorte daqueles que
observam e estudam um eclipse de sol. Algumas pessoas que assim fazem estragam
os olhos por não tomarem a precaução de observar a imagem do sol refletida na
água ou em matéria semelhante. Lembrei-me disso e receei que minha alma viesse
a ficar completamente cega se eu continuasse a olhar com os olhos para os
objetos e tentasse compreendê-los através de cada um de meus sentidos. Refleti
que devia buscar refúgio nas idéias e procurar nelas a verdade das coisas
(...). Assim, depois de haver tomado como base, em cada caso, a idéia, que é, a
meu juízo, a mais sólida, tudo aquilo que lhe seja consoante eu o considero
como sendo verdadeiro, quer se trate de uma causa ou de outra qualquer coisa, e
aquilo que não lhe é consoante, eu o rejeito como erro” [2].
2 – As Idéias
existem de forma objetiva, ou seja, independentemente do nosso pensamento.
Em que pese o fato de serem independentes dele, podem por ele ser conhecidas.
Em decorrência disso, a doutrina platônica foi caracterizada pelos estudiosos
como um idealismo objetivo. Por
exemplo: o fato de que, para além de constatarmos a existência de seres vivos
como moscas, peixes ou cavalos, reconheçamos neles a característica comum de
animais, isso indica que existe um arquétipo comum, “animal”, que está presente
de alguma forma em todos os animais e que determina a sua maneira de ser. O
fato de que o nosso entendimento possa conhecer as Idéias (ou seja, os
arquétipos subsistentes do real, que existem fora de nós), faz com que Platão
seja considerado pelos estudiosos como o fundador da perspectiva realista ou
transcendente, ou seja, aquela que pressupõe que o entendimento humano tem
acesso à coisa em si. Esta perspectiva contrapõe-se à transcendental, que parte do pressuposto de que o nosso
entendimento somente pode ter acesso aos fenômenos
(àquilo que aparece), não às coisas em si; esta perspectiva foi formulada e
sistematizada, no século XVIII, por Hume e Kant [3].
3 – Platão, por
outro lado, postula a teoria dos dois mundos. O primeiro é o mundo visível
ou sensível, no qual se desenvolve a nossa existência e que está submetido à
mudança e à degradação. O segundo é constituído pelo mundo inteligível (que fundamenta
a essência do primeiro). É o mundo das Idéias imutáveis. Este é um mundo do
tipo que os Eleatas encontravam como próprio do Ser: é o reino da permanência e
da imutabilidade. No diálogo Fédon é clara a contraposição que
Platão faz desses dois mundos, sendo que o de baixo, aquele em que habitamos, é
caracterizado pela precariedade, ao passo que o de cima, o verdadeiro, é um
mundo de luz e de perfeição.
A respeito, escreve o filósofo, destacando a
precariedade da região das sombras em que nós, mortais, vivemos, ao passo que o
mundo dos arquétipos caracteriza-se pela perfeição, luminosidade,
incorruptibilidade e beleza: “(...) Morando num buraco da terra, acreditamos
estar na sua superfície exterior, e damos ao ar nome de céu, como se os astros
de fato planassem no ar, nosso céu. O caso é bem o mesmo: por fraqueza e
indolência estamos impossibilitados de subir até o ar superior. Se alguém
escalasse a parte superior da terra, ou voasse com asas, esse alguém haveria de
contemplar o que existe por lá, e se sua natureza fosse bastante forte para lhe
permitir uma observação prolongada, verificaria que aqueles é que são o céu
verdadeiro, a luz verdadeira e a terra verdadeira – assim como os peixes, que
sobem do mar, vêem o que há em nossa terra! Esta parte da terra em que nos
achamos, as próprias pedras e suas diferentes regiões, estão corroídas e
desgastadas, assim como está desgastado e corroído pela água salgada tudo o que
há no mar (....). Quanto à outra terra, constituída como é, tudo o que aí
existe, existe adequadamente – árvores, flores e frutos; do mesmo modo, por sua
parte, as montanhas; e as pedras aí têm, proporcionalmente, muito mais beleza
quanto ao polimento, transparência e coloração: e as pedrarias de cá embaixo,
as pedrarias que qualificamos de preciosas, nada mais são do que suas lascas
(...). Enfim, nessa remota região, se não há nada comparável às coisas daqui,
tudo é muito mais lindo e mais precioso (...)” [4]
4 – O mundo
sensível está submetido ao mundo das Idéias, tanto do ponto de vista ético,
quanto do ângulo ontológico. Ele só se estrutura por participação (methéxis) ou por imitação (mimésis) do mundo verdadeira e
plenamente existente das Idéias. São esses processos que garantem a existência
do mundo das coisas: elas existem, porque são participação e imitação das
Idéias. Em relação a este ponto, escreve Platão no diálogo Parmênides, colocando em
boca deste filósofo a teoria platônica da methéxis
e da mimésis: “(...) – Dize-me
uma coisa: pelo que declaraste, admites a existência das idéias, das quais as
coisas tiram os nomes, na medida em que delas participam, a saber: a
participação da semelhança as deixa semelhantes, a da grandeza, grandes, e a da
beleza e da justiça, justas e belas? – Perfeitamente, teria respondido Sócrates”
[5] .
5 - Do ponto de
vista da forma segundo a qual conhecemos as realidades essencial e aparente que
acabam de ser mencionadas, Platão formula quatro tipos de conhecimento,
sendo que dois pertencem ao mundo visível e dois são próprios do mundo que
somente é acessível ao espírito. Os quatro tipos são estes:
·
Aquilo que é perceptível indiretamente (exemplo: as sombras e os
reflexos dos espelhos).
·
Aquilo que é perceptível diretamente (exemplo: os objetos materiais e os
seres vivos).
·
Aquilo que é conhecido pelas ciências (exemplo: a matemática, a qual,
superando o suporte material – as figuras geométricas –, atinge um conhecimento
intelectual como o relativo aos teoremas universais).
·
Aquilo que constitui o reino das Idéias e que é acessível à “razão
pura”, que está na base de todas as representações intelectuais.
6 – Ponto
central da doutrina platônica: a Idéia do Bem. Embora o Bem ocupasse um
lugar de destaque no pensamento de Sócrates (como valor ético que deve inspirar
ao cidadão), para Platão, no entanto, reveste-se de uma radicalidade maior: o
Bem é o fim almejado e o começo de todo ser, tanto do ângulo gnosiológico,
quanto do ponto de vista da ontologia. O Bem, segundo Platão, é o princípio
radical de todas as Idéias e se situa acima delas. É nele que se fundam as
Idéias de Ser e de Valor e, com elas, se instauram os fundamentos do mundo
inteiro. O Bem cria a ordem, a medida e a unidade do mundo. A respeito, frisa
O. Gignon: “Para Platão, a questão: por que o Bem? É uma pergunta que não faz
sentido. Podemos indagar por aquilo que há para além do ser, mas não podemos
perguntar acerca do que há a por trás do Bem” [6].
7 – O homem não
pode ter acesso ao conhecimento do Ser, senão à luz do Bem. Essa luz é,
para a razão humana, como o sol para os olhos. No entanto, é um sol que não
somente ilumina, mas que também garante a presença dos objetos iluminados no
Ser. Em A República, Platão afirma: “Podes estar seguro de que aquilo
que comunica a verdade aos objetos cognoscíveis e ao espírito a faculdade de
conhecer, é a Idéia do Bem (...). Os objetos do conhecimento não contêm somente
a faculdade de virarem cognoscíveis, mas ainda a existência e a essência do
Bem, que não é uma coisa existente, mas que a ultrapassa em elevação e força” [7].
Um pouco mais adiante, nesse mesmo texto, Platão completa assim o seu
pensamento: “(...) O sol dá aos objetos visíveis não somente a faculdade de
serem vistos, mas ainda lhes fornece a gênese, o crescimento e o alimento, em
que pese o fato de ele não se restringir a ser essa gênese”.
8 – Sobre o
pano de fundo metafísico e gnosiológico que acaba de ser exposto, Platão
constrói a sua Física. O mundo da natureza é, segundo o filósofo no diálogo
Timeu
[8],
constituído da seguinte forma: “O mundo material do devir é instaurado por um
operário do mundo, um demiurgo, de
forma ordenada e conforme à razão (teleologia),
na medida em que ele o modela segundo o arquétipo das Idéias”. O mundo, assim,
constitui uma ordem harmônica, o que em grego se traduz pelo termo Cosmos. A matéria prima na qual é
concretizada a encarnação das Idéias é o receptáculo (déchoménon).
9 – Sobre as
bases metafísicas e físicas que acabam de ser mencionadas, Platão elabora a sua
gnosiologia, inserindo os quatro tipos de conhecimento que foram mencionados
no item 5, no contexto da teoria acerca das faculdades cognitivas da alma. Os
tipos de conhecimento e as respectivas faculdades são os seguintes, a começar
pelos que se ligam ao mundo material e seguindo até aqueles que o superam. O
quadro a seguir sintetiza estas variáveis:
TIPOS DE CONHECIMENTO
I – Conhecimentos visíveis, através de imagens (eikónes).
II- Conhecimentos de Totalidades Visíveis (fóa, hóla).
III – Conhecimentos Científicos Racionais, ou
Invisíveis Inteligíveis inferiores (mathémata,
noetá).
IV – Contemplação Intelectiva (eide, noetá).
FACULDADES DA ALMA
I – Sensibilidade (aísthesis)
e Imaginação (eikasía).
II – Opinião (dóxa)
e Crença (pístis).
III – Razão (diánoia)
equivalente da ratio, para os
Latinos.
IV – Intelecção (nous,
theoria), equivalente do intellectus, para os Latinos.
10 – A teoria
de Platão acerca do homem insere-se no contexto de sua doutrina acerca do
Conhecimento e do Ser, que foi sintetizada nos itens anteriores. Como se
torna possível, aos homens, a Contemplação Intelectiva, mediante o pleno
exercício da Intelecção? Esse tipo de conhecimento, o mais perfeito ao qual o
homem pode aspirar, não procede dos níveis inferiores de apreensão da realidade
(a partir do mundo sensível). Procede tal conhecimento intelectivo, no entanto,
de uma reminiscência da alma da sua passagem ou da sua proveniência do Mundo
Inteligível. Todo conhecimento intelectivo é, portanto, reminiscência ou anámnese.
A alma do homem, segundo Platão, contemplou as Idéias numa existência anterior,
mas as esqueceu depois da sua entrada no corpo. Nele, a alma vive encadeada.
A alegoria da
caverna, que Platão apresenta na sua obra A República [9],
ilustra essa situação da alma presa no corpo. Os homens são semelhantes a
prisioneiros encadeados no fundo da caverna, não podendo ver nada do mundo
real. Aquilo que eles tomam como a realidade são sombras de objetos fabricados
cujas silhuetas uma fogueira projeta sobre a parede da caverna. A anámnese é representada mediante a
visita que um dos prisioneiros faz ao mundo exterior, onde contempla os objetos
naturais e o sol, tal como eles são na realidade. As sombras e os objetos na
caverna correspondem à experiência sensível, ao mundo situado fora do
inteligível. A força que conduz o homem em direção à região do Ser e do Bem é Eros. Ele acorda, em nós, o desejo de
nos levantarmos até o conhecimento das idéias. No diálogo Banquete, Platão
caracteriza Eros como a busca
filosófica da beleza e do conhecimento. Ele estabelece, para os humanos, a
ponte entre o mundo sensível e o inteligível. Platão denomina de dialética o método que conduz à
descoberta do mundo das Idéias, sob o impulso de Eros. A dialética ou a
busca filosófica da Beleza e do Conhecimento, ocorre na relação do eu com os
outros homens, na qual se concretiza o ato pedagógico (épimeléia) de procurar a verdade que diz relação aos humanos,
superando o conhecimento do mundo físico.
Platão, certamente, herdou do seu mestre Pitágoras de
Samos (580-497 a.C.), a concepção bipolar do homem, como cindido entre dois
princípios irreconciliáveis, corpo (soma)
e alma (psyché). É herança
pitagórica, outrossim, a concepção segundo a qual a alma deve controlar o
corpo. A alma, substância homogênea que se compara às Idéias imutáveis e
eternas, justamente por essa sua característica elevada (que a coloca por cima
da matéria), está habilitada para conhecer o mundo dos Arquétipos e é capaz de
se movimentar por si própria. Platão afirma que a vida é característica
essencial da alma, não podendo ela, em conseqüência, admitir a morte.
A alma, por sua vez, possui três partes: a razão
(faculdade que é portadora da fagulha divina que os homens levam consigo), a coragem
(a parte nobre) e os apetites (a parte inferior). A razão
é simbolizada por Platão como o cocheiro que conduz o carro, sendo que a
coragem é o cavalo que obedece e os apetites são simbolizados pelo cavalo
rebelde. Três virtudes emergem, segundo o filósofo, dessas partes da alma: a
sabedoria (da razão), a perseverança (da coragem) e a moderação (dos apetites controlados
pela razão). No entanto, há uma virtude que, presente na alma, permite ao homem
estabelecer um equilíbrio harmonioso entre as três virtudes mencionadas: ela é
a justiça (dikaiosyné).
A partir da estrutura racional da esfera das Idéias,
Platão deduz o postulado do poder soberano da razão, mas também o da sua
concretização nas denominadas virtudes
cardeais. Mas há, paralelamente, no homem, uma cisão que o afeta e que
parte da desvalorização que o pensador atribui ao corpo, como princípio opaco que se contrapõe à luz de que é
portadora a alma. Para o homem poder se guiar ao longo da vida precisa ir
superando a materialidade do corpo, no exercício assíduo da razão e das
virtudes cardeais. O homem deve almejar por uma recompensa após a morte. O pensador
imagina que a alma poderá, livre das amarras da corporeidade, participar do
reino do espírito puro. A virtude, em que pese o fato dessa visão teleológica
que aponta para o mundo das Idéias e do Sumo Bem, possui também uma
justificativa na esfera da vida terrena do homem: ela constitui, para Platão, a
melhor maneira de viver neste mundo.
11 – A Política, para Platão, espelha a concepção
antropológica que acaba de ser resumida. O Estado repete a estrutura do
indivíduo. Platão deixa claro que entramos na ordem política, não por causa das
nossas virtudes, mas em decorrência das carências que nos afetam. O Estado,
para o filósofo, divide-se em três ordens[10]: a dominante, integrada pelos filósofos ou sábios (representantes da razão
e os únicos que são aptos para buscar a maneira justa segundo a qual os
cidadãos devem pautar a sua vida); em segundo lugar vem a ordem dos guerreiros (que são aqueles que
constituem a parte sensível da alma,
ou que representam a coragem) e a
ordem dos produtores, que
corresponde à parte sensível da alma
(artesãos, comerciantes, camponeses que devem garantir os bens materiais de que
a sociedade carece).
A educação deve ser conduzida rigorosamente pela
Cidade-Estado, a fim de garantir o máximo de eficiência e racionalidade na sua
defesa e na gestão dos assuntos públicos. A educação para a cidadania (paidéia) deve abarcar a vida toda dos
cidadãos e contempla as seguintes etapas: educação elementar pela música, a
poética e a ginástica (até os 20 anos); educação científica, que abarca: matemáticas,
astronomia e ciência da harmonia (deve durar 10 anos); iniciação à dialética ou filosofia (com duração de 5 anos); educação política (que consiste
na prática da gestão do Estado e que deve durar 15 anos). Após todas essas
etapas, o cidadão poderia escolher entre o acesso ao poder do Estado ou a vida
contemplativa.
O filósofo cultuava um modelo de gestão total do Estado sobre os cidadãos,
segundo o qual o Rei Filósofo e os seus colaboradores deveriam prever todos os
aspectos da vida privada (concernentes às relações sexuais, à geração dos
filhos, à religião e à educação de jovens e crianças). A idéia seria garantir a
seleção dos melhores para a condução e a administração do Estado, bem como para
a sua defesa. A célula mater da
sociedade não seria, pois, a família, nem o clã, e passaria a ser o aparelho
administrativo rigorosamente controlado pelo Rei-Filósofo. A constituição do Estado proposto por
Platão seria, portanto, uma aristocracia,
ou governo dos melhores. Na parte final da sua obra política (que é constituída
pela obra intitulada As Leis, escrita na velhice), o
pensador insistia menos no Rei-Filósofo e enfatizava o papel das leis
(corretamente entendidas pelos cidadãos), na estruturação do regime ideal.
A Filosofia Ocidental, ao longo da sua história, fez
eco a esses ensinamentos do mestre ateniense, nos vários modelos de poder racional e total que foram desenvolvidos, por exemplo, na Renascença italiana,
com a obra de Tomás Campanella (1568-1639) intitulada: A cidade do Sol e com O
Príncipe, de Nicolau Maquiavel (1469-1527). Na modernidade, ecoam os
ensinamentos políticos do platonismo no Leviatã, de Thomas Hobbes
(1588-1679) e se projetam até a contemporaneidade nos vários autores que
defendem o poder total nas
multifacetadas versões de despotismo hidráulico, apresentadas por Karl
Wittfogel (1896-1988) na sua clássica obra: Despotismo Oriental – Ensaio
interpretativo do Poder Total [11].
No seio da meditação brasileira, duas abordagens dos modelos de poder total são importantes: a desenvolvida por Roque Spencer Maciel de Barros
(1927-1999) no seu clássico estudo intitulado: O fenômeno totalitário [12] e
a recente obra de Antônio Paim (nasc. 1927), Marxismo e descendência [13].
12 – Caminho
pedagógico para a dialética: o diálogo. É através dele que os
homens encontram os conceitos que representam as Idéias. Estas vão se revelando
aos homens dialeticamente, sem
recurso à representação das coisas do mundo sensível. O diálogo entre os humanos possibilita a análise e a síntese dos
conceitos, bem como a formulação de hipóteses
que são examinadas e, logo, aceitas ou rejeitadas. Os personagens presentes nos
diálogos platônicos defendem, deliberadamente, posições opostas, com o objetivo
de examinar as teses, à luz das suas antíteses. Dessa oposição emerge a verdade.
Platão
consolidou, na tradição filosófica ocidental, o gênero diálogo, que passou a formar parte das várias modalidades de
expressão literária do pensamento filosófico. Inúmeros autores, das mais
variadas épocas, passaram a se inspirar no mestre ateniense, como por exemplo,
Leão Hebreu (Iehuda Abravanel, 1465-1534), o pensador português do século XVI
que escreveu os conhecidos Diálogos de Amor [14]. Outro
autor que cultivou o diálogo filosófico
para exprimir o seu pensamento foi Leibniz (1646-1716), na sua obra fundamental
intitulada: Novo tratado sobre o entendimento humano [15].
Na filosofia brasileira, são lembrados por muitos os diálogos filosóficos de Vicente Ferreira da Silva [16]
(1916-1963), integrante da denominada Escola
de São Paulo.
Sócrates é o personagem principal dos diálogos
platônicos (uma evidente homenagem de Platão ao seu mestre). A interpretação
dos diálogos insere-se numa dinâmica
dialética do pensamento, como foi frisado pouco antes. A estrutura dialogal da
sua obra possibilita ao pensador se esconder por trás da figura de algum dos
interlocutores. A temática tratada nos 25 Diálogos
considerados autênticos é variada: a questão da virtude (que é o ponto central
dos diálogos de juventude), passando pela problemática do conhecimento (Menon
e Teeteto, por exemplo), a política (A República, As Leis),
bem como a filosofia da natureza (Timeu).
A forma literária dos diálogos platônicos, certamente,
é um instrumento em mãos do pensador para realizar a ponte entre mito e lógos. No pensamento do filósofo, a estrutura da realidade
alicerçada no Sumo Bem e nos Arquétipos nele subsistentes, ocupa o lugar da
antiga teomaquia (ou combate entre os
deuses, que teria dado origem ao Cosmo). O diálogo
equivale, no pensamento platônico, ao rito, na estrutura mítica. È no diálogo que acontece a magia da
revelação da verdade para os homens que dele participam.
[1] Cit. por Kunzman –
Burkard – Wiedmann, in: Atlas de la Philosophie, trad.
francesa de Desanti, Droit et alii,
Paris: Librairie Genérale Française, 1993,
p. 39
[2] PLATÃO, Diálogos. (Tradução e notas de J. Paleikat
e J. Cruz Costa; seleção de textos de J. A. Motta Peçanha). 4ª edição. São
Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 106.
[3] Cf. PAIM, Antônio. Roteiro para o estudo da Crítica da Razão
Pura de Immanuel Kant. Juiz de Fora: UFJF - Curso de Mestrado em
Filosofia, 1984, p. 2, (mimeo.).
[4] PLATÃO. Diálogos. Ob. cit., p.
118-119.
[5] PLATÃO. Diálogos – Volume VIII Parmênides – Filebo. (Tradução
de Carlos Alberto Nunes). Belém: Universidade Federal do Pará, 1974, p. 26-27.
Coleção Amazônica – Série Farias Brito.
[6] Cit. por Kunzman – Burkard –
Wiedmann. Atlas de la philosophie, ob. cit., p. 39.
[7] PLATÃO. L´État ou la République. (Tradução francesa de A. Bastien). Paris:
Garnier, s/d, p. 249-250.
[9] PLATÃO. L´État ou la République. (Tradução
francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 271-275.
[10] PLATÃO. L´État ou la République. (Tradução francesa de A. Bastien). Paris: Garnier, s/d, p. 86 seg.
[11] Cf. WITTFOGEL, Karl. Le Despotisme Oriental.
(Tradução francesa de Micheline Pouteau). Paris: Minuit, 1977.
[12] BARROS, Roque Spencer Maciel de. O fenômeno totalitário. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1990.
[13] PAIM, Antônio. Marxismo e descendência. Campinas:
Vide Editorial, 2009.
[14] HEBREU, Leão. Diálogos de Amor. (Texto fixado,
anotado e traduzido por Giacinto Manupella). Volume II – Versão Portuguesa –
Bibliografia. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983.
Devido ao fato de o autor ter sido expulso pela Inquisição portuguesa para
Espanha (onde a Inquisição também o perseguiu, tendo seqüestrado o seu filho),
Leão Hebreu terminou escrevendo a sua obra na Itália, sendo a primeira versão
da mesma composta em italiano.
[15] LEIBNIZ, Gottlibeb Wilhelm. Nuevo tratado sobre el entendimiento humano.
(Tradução ao espanhol e prólogo de
Eduardo Ovejero y Maury). Buenos Aires: Aguilar, 1980, 2 vol.
[16] Cf. SILVA, Vicente Ferreira da. Obras completas. (organização e
Prefácio de Miguel Reale). São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, 1964,
2 vol.
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