terça-feira, 20 de março de 2012

EPICURO DE SAMOS (341-270 a. C.)



Natural da Ilha de Samos, viveu no período helenístico, num momento importante da evolução da cultura grega, ao ensejo da inserção de Atenas no vasto império de Alexandre o Grande da Macedônia (356-323 a.C). A paideia foi substituída por uma filosofia que buscava a realização subjetiva e pessoal e, no contexto desta, cultivava um ideal de conhecimento que valorizava a ciência pela ciência. É então quando surge a figura do intelectual erudito. O século II a.C viu surgirem grandes cientistas, muitos deles ligados ao Museu de Alexandria: Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Eratóstenes. Distanciada das preocupações políticas da cidade-estado, a filosofia aspira ao estabelecimento de normas universais para a conduta humana e se propõe a orientar as consciências. O problema ético torna-se, assim, o centro da especulação filosófica de diferentes correntes de pensamento.

Ainda jovem, Epicuro partiu para a cidade de Téos, na costa da Ásia Menor. Em Samos, tinha sido discípulo de Pânfilo, pensador de inspiração platônica. Contavam os seus contemporâneos que, em certa ocasião, ainda criança, ao ouvir falar do mito de Hesíodo segundo o qual todas as coisas provieram do Caos, perguntou: “e o Caos de onde veio?” O pensamento epicurista foi influenciado pela teoria atomística de Demócrito de Abdera (460-370 a.C). O nosso pensador ensinou filosofia em várias cidades (Lâmpaso, Mitilene e Cólofon), até que, por fim, se estabeleceu em Atenas, onde fundou a sua própria escola.

O cerne do pensamento epicurista consiste numa ética. As éticas helenísticas partem à procura do bem individual e de uma sabedoria que represente a plenitude da realização subjetiva, que consiste na perfeita serenidade interior, independentemente das circunstâncias exteriores. O bem das éticas helenísticas terá uma acepção estritamente existencial: é o bem como sinônimo do que é bom para o indivíduo.

No seio das várias correntes que passaram a ser cultivadas no ciclo da Filosofia Helenística, encontramos três caminhos para atingir a serenidade interior ou ataraxia: em primeiro lugar, o seguido pelas escolas epicurista (Epicuro, Lucrécio) e estóica (Crisipo, Panécio, Sêneca, Marco Aurélio), que consiste em pressupor que a ciência sobre a natureza das coisas constitui a base da moral. Em segundo lugar, o caminho seguido pela escola cética (fundada por Pirro de Elis), e que parte da pressuposição de que à imperturbabilidade do espírito só se chega partindo da suspensão de qualquer julgamento, renunciando a qualquer tipo de explicação científica, abandonando-se toda pretensão de atingir certezas intangíveis. Em terceiro lugar, temos o caminho representado pela escola eclética (do qual é representante exímio o orador latino Cícero), que parte para o estabelecimento de um critério que se sobreponha às disputas entre as escolas, tomando o que de bom aproveitável houver em todas elas, de acordo com a necessidade da busca da paz interior; esse bom aproveitável constituiria o senso comum e a base para um consenso universal entre os seres humanos.

Manifesta-se, no Helenismo, acentuada tendência à fusão ou ao sincretismo religioso. Um exemplo dessa tendência é Plotino (204-270) e a sua Escola Neoplatônica. Para ele, todos os seres resultam de sucessivas emanações do Um divino, transcendente e inefável.

Podemos sintetizar o pensamento filosófico de Epicuro nos seguintes itens:

 1 - A Filosofia, no contexto do Epicurismo, deve servir ao homem como instrumento de libertação e como via de acesso à verdadeira felicidade. Esta consistiria na serenidade do espírito, que advém da consciência de que é ao homem que compete conseguir o domínio de si mesmo.

2 - A Filosofia Epicurista apresenta-se sob a modalidade de três disciplinas que se complementam: a Lógica, a Física e a Ética. A primeira ensina a distinguir as formas de conhecimento verdadeiras das falsas. Reduz a origem do conhecimento à experiência sensível. A Física apresenta as bases materiais do conhecimento e da existência do homem. A Ética ajuda o homem a superar os temores ancestrais, a fim de conquistar a ataraxia ou paz do espírito.

3 - Três princípios comandam a Física de Epicuro: Nada nasce do não-ser; Nada desaparece no não-ser; O Todo é tal como é agora e assim será para sempre. O Todo é constituído unicamente de corpos e de vácuos A existência dos primeiros é conhecida pela percepção. O vácuo é pressuposto graças ao repouso e ao movimento dos corpos. A Física de Epicuro deita raízes no atomismo de Demócrito de Abdera, tendo assumido dessa teoria os seguintes princípios: em primeiro lugar, os corpos são agregados de átomos; em segundo lugar, os átomos não possuem qualidades além da figura, a massa e o tamanho; em terceiro lugar, os átomos só são divisíveis matematicamente, não fisicamente; em quarto lugar, as formas dos corpos resultam da diversidade da figura dos átomos; em quinto lugar, os átomos caem sob efeito da sua massa, de forma contínua e paralela, no espaço. Graças à casualidade alguns mudam de direção, se agregam e, assim, produzem os corpos.

4 - A Ética é disciplina central da doutrina de Epicuro. Todo ser vivo busca naturalmente o prazer e foge da dor. A meta da vida é o prazer. Ora, este consiste, para Epicuro, na ausência de dores e de temores. No momento em que são descartadas as penas físicas (devidas à carência ou à falta de um bem essencial), bem como as psíquicas (decorrentes da angústia), conquista-se o prazer. O nosso autor destaca o caráter acessível deste. Uma vez satisfeitas as necessidades elementares (tais como fome, sede, etc.), não há mais intensificação do prazer, mas unicamente variações do mesmo. Tudo no mundo é explicado pela física, inclusive a morte, que consiste na dispersão dos átomos de que um ser vivo é formado. A morte não deve ser temida por nós porque não é um estado de nós mesmos. A ética aponta para a busca do prazer duradouro na ataraxia, ou estado de confiança proporcionado pelo gozo do prazer e ausência da dor e de qualquer preocupação. Dentre os sentimentos humanos deve-se dar prelação à amizade.

5 - A Lógica ou Teoria do Conhecimento é chamada por Epicuro de “canônica”. As bases físicas daquele são as imagens. Elas nascem do salto dos átomos da superfície dos corpos. Essas imagens produzem, no observador, uma imagem mais fina dos objetos, na alma material. A percepção sensível é a base da verdade. A respeito, afirma Epicuro: “Efetivamente, tudo quanto o espírito conhece, seja pela observação direta, seja pela intuição do pensamento, é verdadeiro”. Pela repetição de imagens ou de impressões chegamos aos pré-conceitos (ou prolepsis). As opiniões (doxai), elaboradas pela razão, devem ser verificadas pela percepção sensível.

6 - Teoria da necessidade e da felicidade. Epicuro divide as necessidades humanas em três grupos: Naturais e necessárias, naturais e não necessárias e vazias (que nascem de uma opinião falsa). A satisfação das necessidades do primeiro grupo é acessível sem pena. Epicuro valoriza, por este motivo, a moderação como uma virtude importante. O juízo calcula as vantagens e os inconvenientes de acordo com um “cálculo de prazeres”. Tal cálculo é útil porque ajuda a evitar o prazer que pode causar desprazer, em decorrência de uma dor física ou de uma inquietação da alma. A atividade política, por exemplo, causa tantas incertezas no curso da vida, que é preferível se recolher à vida privada.

A alma, livre das inquietações e das confusões, chega, assim, a um acréscimo da ausência de dores físicas e à ataraxia (ou seja, a uma vida reta, sem inquietações). Para garantir a conquista da ataraxia, é necessária a prática das virtudes. O sábio orientar-se-á, por exemplo, segundo a justiça, pois, caso contrário, não poderia estar ao abrigo das sanções da sociedade. O que é justo consiste numa convenção que os homens ratificam para proteger o que lhes é útil. À luz desses ensinamentos epicuristas, frisava o filósofo romano Cícero, um dos representantes da chamada corrente eclética: “Devemos nos orientar segundo a sabedoria que se oferece a nós como a nossa melhor guia”. Afastar as opiniões falsas permite-nos superar as angústias que colocam em risco a paz interna ou ataraxia.

7 - No que tange à teologia, Epicuro acha que os deuses não intervêm na vida dos homens, pois eles gozam, no Olímpio, de uma existência feliz, da qual não abrem mão para se preocuparem com os afãs dos mortais. Epicuro não pensa que o curso do mundo seja regido pela necessidade ou pelo destino. Estamos entregues, nesta vida, a nós mesmos e ao que possamos fazer pela nossa paz interna para conquistarmos a ataraxia.

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