Natural
da Ilha de Samos, viveu no período helenístico, num momento importante
da evolução da cultura grega, ao ensejo da inserção de Atenas no vasto
império de Alexandre o Grande da Macedônia (356-323 a.C). A paideia
foi substituída por uma filosofia que buscava a realização subjetiva e
pessoal e, no contexto desta, cultivava um ideal de conhecimento que
valorizava a ciência pela ciência. É então quando surge a figura do
intelectual erudito. O século II a.C viu surgirem grandes cientistas,
muitos deles ligados ao Museu de Alexandria: Euclides, Arquimedes,
Apolônio de Perga, Eratóstenes. Distanciada das preocupações políticas
da cidade-estado, a filosofia aspira ao estabelecimento de normas
universais para a conduta humana e se propõe a orientar as consciências.
O problema ético torna-se, assim, o centro da especulação filosófica de
diferentes correntes de pensamento.
Ainda
jovem, Epicuro partiu para a cidade de Téos, na costa da Ásia Menor. Em
Samos, tinha sido discípulo de Pânfilo, pensador de inspiração
platônica. Contavam os seus contemporâneos que, em certa ocasião, ainda
criança, ao ouvir falar do mito de Hesíodo segundo o qual todas as
coisas provieram do Caos, perguntou: “e o Caos de onde veio?” O
pensamento epicurista foi influenciado pela teoria atomística de
Demócrito de Abdera (460-370 a.C). O nosso pensador ensinou filosofia em
várias cidades (Lâmpaso, Mitilene e Cólofon), até que, por fim, se
estabeleceu em Atenas, onde fundou a sua própria escola.
O
cerne do pensamento epicurista consiste numa ética. As éticas
helenísticas partem à procura do bem individual e de uma sabedoria que
represente a plenitude da realização subjetiva, que consiste na perfeita
serenidade interior, independentemente das circunstâncias exteriores. O
bem das éticas helenísticas terá uma acepção estritamente existencial: é
o bem como sinônimo do que é bom para o indivíduo.
No
seio das várias correntes que passaram a ser cultivadas no ciclo da
Filosofia Helenística, encontramos três caminhos para atingir a
serenidade interior ou ataraxia: em primeiro lugar, o seguido pelas escolas epicurista (Epicuro, Lucrécio) e estóica
(Crisipo, Panécio, Sêneca, Marco Aurélio), que consiste em pressupor
que a ciência sobre a natureza das coisas constitui a base da moral. Em
segundo lugar, o caminho seguido pela escola cética (fundada por
Pirro de Elis), e que parte da pressuposição de que à imperturbabilidade
do espírito só se chega partindo da suspensão de qualquer julgamento,
renunciando a qualquer tipo de explicação científica, abandonando-se
toda pretensão de atingir certezas intangíveis. Em terceiro lugar, temos
o caminho representado pela escola eclética (do qual é
representante exímio o orador latino Cícero), que parte para o
estabelecimento de um critério que se sobreponha às disputas entre as
escolas, tomando o que de bom aproveitável houver em todas elas, de
acordo com a necessidade da busca da paz interior; esse bom aproveitável
constituiria o senso comum e a base para um consenso universal entre os
seres humanos.
Manifesta-se,
no Helenismo, acentuada tendência à fusão ou ao sincretismo religioso.
Um exemplo dessa tendência é Plotino (204-270) e a sua Escola
Neoplatônica. Para ele, todos os seres resultam de sucessivas emanações
do Um divino, transcendente e inefável.
Podemos sintetizar o pensamento filosófico de Epicuro nos seguintes itens:
1
- A Filosofia, no contexto do Epicurismo, deve servir ao homem como
instrumento de libertação e como via de acesso à verdadeira felicidade.
Esta consistiria na serenidade do espírito, que advém da consciência de
que é ao homem que compete conseguir o domínio de si mesmo.
2 - A Filosofia Epicurista apresenta-se sob a modalidade de três disciplinas que se complementam: a Lógica, a Física e a Ética.
A primeira ensina a distinguir as formas de conhecimento verdadeiras
das falsas. Reduz a origem do conhecimento à experiência sensível. A
Física apresenta as bases materiais do conhecimento e da existência do
homem. A Ética ajuda o homem a superar os temores ancestrais, a fim de
conquistar a ataraxia ou paz do espírito.
3 - Três princípios comandam a Física de Epicuro:
Nada nasce do não-ser; Nada desaparece no não-ser; O Todo é tal como é
agora e assim será para sempre. O Todo é constituído unicamente de
corpos e de vácuos A existência dos primeiros é conhecida pela
percepção. O vácuo é pressuposto graças ao repouso e ao movimento dos
corpos. A Física de Epicuro deita raízes no atomismo de Demócrito de
Abdera, tendo assumido dessa teoria os seguintes princípios: em primeiro
lugar, os corpos são agregados de átomos; em segundo lugar, os átomos
não possuem qualidades além da figura, a massa e o tamanho; em terceiro
lugar, os átomos só são divisíveis matematicamente, não fisicamente; em
quarto lugar, as formas dos corpos resultam da diversidade da figura dos
átomos; em quinto lugar, os átomos caem sob efeito da sua massa, de
forma contínua e paralela, no espaço. Graças à casualidade alguns mudam de direção, se agregam e, assim, produzem os corpos.
4 - A Ética é disciplina central da doutrina de Epicuro.
Todo ser vivo busca naturalmente o prazer e foge da dor. A meta da vida
é o prazer. Ora, este consiste, para Epicuro, na ausência de dores e de
temores. No momento em que são descartadas as penas físicas (devidas à
carência ou à falta de um bem essencial), bem como as psíquicas
(decorrentes da angústia), conquista-se o prazer. O nosso autor destaca o
caráter acessível deste. Uma vez satisfeitas as necessidades
elementares (tais como fome, sede, etc.), não há mais intensificação do
prazer, mas unicamente variações do mesmo. Tudo no mundo é explicado
pela física, inclusive a morte, que consiste na dispersão dos átomos de
que um ser vivo é formado. A morte não deve ser temida por nós porque
não é um estado de nós mesmos. A ética aponta para a busca do prazer
duradouro na ataraxia, ou estado
de confiança proporcionado pelo gozo do prazer e ausência da dor e de
qualquer preocupação. Dentre os sentimentos humanos deve-se dar prelação
à amizade.
5 - A Lógica ou Teoria do Conhecimento é chamada por Epicuro de “canônica”.
As bases físicas daquele são as imagens. Elas nascem do salto dos
átomos da superfície dos corpos. Essas imagens produzem, no observador,
uma imagem mais fina dos objetos, na alma material. A percepção sensível
é a base da verdade. A respeito, afirma Epicuro: “Efetivamente, tudo
quanto o espírito conhece, seja pela observação direta, seja pela
intuição do pensamento, é verdadeiro”. Pela repetição de imagens ou de
impressões chegamos aos pré-conceitos (ou prolepsis). As opiniões (doxai), elaboradas pela razão, devem ser verificadas pela percepção sensível.
6 - Teoria da necessidade e da felicidade.
Epicuro divide as necessidades humanas em três grupos: Naturais e
necessárias, naturais e não necessárias e vazias (que nascem de uma
opinião falsa). A satisfação das necessidades do primeiro grupo é
acessível sem pena. Epicuro valoriza, por este motivo, a moderação como
uma virtude importante. O juízo calcula as vantagens e os inconvenientes
de acordo com um “cálculo de prazeres”. Tal cálculo é útil porque ajuda
a evitar o prazer que pode causar desprazer, em decorrência de uma dor
física ou de uma inquietação da alma. A atividade política, por exemplo,
causa tantas incertezas no curso da vida, que é preferível se recolher à
vida privada.
A alma, livre das inquietações e das confusões, chega, assim, a um acréscimo da ausência de dores físicas e à ataraxia (ou seja, a uma vida reta, sem inquietações). Para garantir a conquista da ataraxia,
é necessária a prática das virtudes. O sábio orientar-se-á, por
exemplo, segundo a justiça, pois, caso contrário, não poderia estar ao
abrigo das sanções da sociedade. O que é justo consiste numa convenção
que os homens ratificam para proteger o que lhes é útil. À luz desses
ensinamentos epicuristas, frisava o filósofo romano Cícero, um dos
representantes da chamada corrente eclética: “Devemos nos orientar
segundo a sabedoria que se oferece a nós como a nossa melhor guia”.
Afastar as opiniões falsas permite-nos superar as angústias que colocam
em risco a paz interna ou ataraxia.
7 - No que tange à teologia, Epicuro acha que os deuses não intervêm na vida dos homens,
pois eles gozam, no Olímpio, de uma existência feliz, da qual não abrem
mão para se preocuparem com os afãs dos mortais. Epicuro não pensa que o
curso do mundo seja regido pela necessidade ou pelo destino. Estamos
entregues, nesta vida, a nós mesmos e ao que possamos fazer pela nossa
paz interna para conquistarmos a ataraxia.
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