terça-feira, 20 de março de 2012

PLOTINO (206-266) E O NEOPLATONISMO

Plotino (206-266), fundador do Neoplatonismo
O Neoplatonismo constitui o último grande sistema da Antigüidade. Com ele, os filósofos remontam, numa perspectiva especialmente cosmológica, a Platão (428-348 a.C), juntando as teses deste pensador às de Aristóteles (384-324 a.C) e os Estóicos. As figuras mais representativas do Neoplatonismo foram:

- Ammônio Saccas (175-242), mestre de Plotino e fundador da Escola de Alexandria.

- Plotino, o verdadeiro fundador do Neoplatonismo.

- Proclo (410-485) que deu ao Neoplatonismo a sua maior coerência doutrinária e sistemática.

Plotino seguiu as lições de Ammônio Saccas em Alexandria. Instalou-se, depois, em Roma e abriu ali uma escola que teve grande sucesso, especialmente junto ao imperador Galieno (253-268), que tinha projetado construir uma cidade chamada “Platonôpolis”.

A filosofia de Plotino está sintetizada nas Enéadas, que foram organizadas, em seis volumes, pelo seu discípulo Porfírio (232-304). Essa obra descreve a ascensão em direção ao Um e a descida a partir dele. Este Um (en) é descrito por Plotino como o Bem e constitui a unidade absoluta ou a plenitude. É dele que provém todo ser, bem como toda beleza. Ser nenhum existe fora dessa relação com o Um. Plotino utiliza a imagem do sol. Escreve a respeito: “A luz está inseparavelmente ligada ao sol. Não é possível separá-la dele. De maneira análoga, o Ser não pode se separar de sua fonte, o Um”.

O pensamento de Plotino pode ser sintetizado nos seguintes seis pontos:

1 - Posto que o Um é unidade absoluta, um acesso mais direto a ele, conceitualmente mais diferenciado, é impossível. A respeito, Plotino escreve: “Não dizemos: é isso que é o Um, a fim de evitarmos enunciar o Um como atributo de um sujeito diferente do Um. Nome nenhum lhe convém. No entanto, posto que é preciso nomeá-lo, é conveniente chamá-lo de o Um, mas não no sentido de que seja uma coisa portadora do atributo do Um. O Um é mais conhecido pelo seu efeito, que é o Ser”.

2 - O Um transborda por causa de sua superabundância, processo que Plotino descreve como “brilhar em forma de raios” ou “emanação”.  O nível supremo pertencente ao Ser metamorfoseia-se num estado inferior. Nesse processo, este estado perde, ao se expandir, unidade e plenitude, até que o Ser forma, com a Matéria, o mundo dos corpos.

3 - Desse processo nasce o Espírito (nous). Ele representa a esfera das idéias, ou seja, dos arquétipos eternos de todas as coisas. É por isso que ele é o ser existente mais elevado. Esse mundo inteligível converge em direção ao Um, mas em si ele se diferencia, pois, como frisa Plotino, “O pensamento do espírito necessita da separação do pensante e do pensado e da diferenciação dos objetos entre eles”. A maturidade do Espírito guarda o fruto da Alma. A propósito, frisa Plotino: “Como a palavra é o reflexo do pensamento, assim a Alma é o reflexo do Espírito”.

4 - Em tanto que efeito do Espírito, a mais alta atividade da Alma consiste na visão do mesmo Espírito. A Alma vincula as esferas do espiritual às esferas do temporal e material. Em relação a este ponto, escreve Plotino: “Em tanto que Alma do Mundo, ela penetra, forma e anima o Cosmo, conferindo ao Mundo a sua harmonia”. Essa Alma do Mundo possui ou encerra em si as Almas Individuais, que se unem à Matéria para formar, assim, os objetos particulares do Mundo material.

5 - Plotino descreve a Matéria como o Nada. Ela é, em si, sem forma e vazia. Ela se encontra na máxima distância da luz do Um, de forma que Plotino fala da “obscuridade da Matéria”. Escreve a respeito: “A união da Matéria e da Alma turva a visão desta última pelo Espírito e pelo Um, do qual ela provém”. A ascensão em direção ao Um é vista, por Plotino, como um processo de purificação. O impulso desse movimento é dado pelo Amor (eros) à Beleza e ao Um originais. A ascensão conduz à contemplação. A respeito, escreve Plotino: “A arte, por exemplo, ao passar pela percepção da beleza sensível, conduz até a apreensão da Beleza da forma pura, contida nela mesma”.

6 - A Alma supera o mundo das sombras dos corpos e retorna ao Espírito. A libertação mais elevada é a êxtase ou submissão imediata à contemplação do Um. Mas o homem conta, também, com duas outras possibilidades libertadoras, de caráter mediato: a contemplação artística, que conduz ao Espírito e, de outro lado, o conhecimento, que conduz, também, ao Espírito.

O CETICISMO

Pirro de Elis (365-275 a.C), acompanhou Alexandre o Grande (356-323 a.C) na expedição à Índia

Sexto Empírico (200-250 d.C), sistematizador da Corrente Cética

Esta corrente de pensamento foi formulada, inicialmente, por Pirro de Elis (365-275 a.C). Ulteriormente, a doutrina recebeu formatação sistemática de Sexto Empírico (200-250 d.C).

Destaquemos alguns aspectos biográficos acerca destes pensadores. Pirro nasceu em Elis (cidade situada no noroeste do Peloponeso) e acompanhou Alexandre o Grande (356-323 a.C) na sua expedição à Índia. Ao regressar, foi nomeado pelos seus concidadãos “Grande Sacerdote de Elis”. O único escrito que restou do pensador foi uma ode dedicada a Alexandre. Pirro pertencia a uma família humilde e as inúmeras viagens de juventude, certamente, contribuíram para que aperfeiçoara os seus conhecimentos. Discípulo de Pirro, em Elis, foi Timon Silógrafo (320-230 a.C), poeta satírico que se instalou em Atenas, onde divulgou os ensinamentos do mestre. Ulteriormente, Enesidemo (80-10 a.C), seguidor de Pirro, fundou uma escola em Alexandria, na qual ensinou as doutrinas do filósofo, compiladas na obra que levou o título de Discursos Pirrónicos, que deram ensejo à corrente denominada, genericamente, de “pirronismo”. Dentre os seus ensinamentos, Pirro formulou os dez tópicos ou motivos de dúvida do ceticismo antigo. 

Não se conhece o lugar de nascimento de Sexto o “Empírico”, assim chamado pela sua prática da medicina. Viveu em Atenas, Alexandria e Roma. Os seus escritos foram muito influenciados pelos ensinamentos de Pirro e Enesidemo e estavam dirigidos contra a dogmática, ou doutrina filosófica que pretendia conhecer a verdade absoluta, tanto no relativo à moral quanto no que diz relação às ciências. Duas obras se conservaram da lavra de Sexto Empírico: os Esboços Pirrónicos e Contra os Matemáticos. A respeito da doutrina cética, Sexto Empírico escrevia, na primeira das obras mencionadas: “O ceticismo é a faculdade de opor, de todas as formas possíveis, entre si, as aparências (ou fenômenos)  e os conceitos. A partir daí, nós chegaremos, em virtude da força igual das coisas e das razões contrapostas, à suspensão do juízo e, posteriormente, à ataraxia (ataraxía)”.  

Nos seguintes cinco itens podemos sintetizar a doutrina cética:

1 - O ponto de partida do ceticismo de Pirro é a relação entre a suspensão do juízo (epoché) e a paz da alma (ataraxia). Toda inquietação provém da obrigação de conhecer e de conferir valor às coisas. A crença dogmática nos bens ou nos males naturais produz, no homem, confusão e angústia. A respeito, frisava Pirro: “Quando os céticos suspendem o seu julgamento e atingem a indiferença, a paz da alma se segue como a sombra segue o corpo”.

2 - O ceticismo de Pirro fundamenta a suspensão do juízo sobre a natureza das coisas, no “conflito das coisas equivalentes (isosthenie)”, que é caracterizado assim por este pensador: “Para cada enunciado podemos pensar um enunciado oposto equivalente”. Os céticos buscam as possibilidades de uma oposição suscetível de fazer advir a epoch (epoché). Para que aconteça esse estado mental, um fenômeno ou um pensamento é comparado com um fenômeno ou um pensamento contrários. Com a finalidade de pôr em prática esse tipo de oposição, Sexto Empírico apresentou três tropos ou três formas lógicas de relatividade:

É relativo:

- Aquele que julga, pois os seres vivos, os homens, os órgãos sensíveis e as circunstâncias são diferentes, no momento em que se produz a percepção.

- Aquilo que é julgado, pois os objetos parecem diferentes, de acordo com a sua quantidade. Mesmo os costumes e os usos da vida dos povos são diversos.

- Aquele que julga e aquilo que é julgado ao mesmo tempo, pois, dependendo da sua posição, o observador vê coisas diferentes. Um dos dois (observador e observado) tem algo de confuso ou impuro. A freqüência do fenômeno determina, também, a sua importância.

3 - O ceticismo exprime a dúvida fundando-a,  metodicamente, em palavras de ordem (fonai = fónai), tais como: “não totalmente”, “pode ser”, “tudo é indefinido”, etc. A validade destas palavras é não-dogmática, ou seja, aberta à dúvida. A Escola Pírrica atinha-se, estritamente, ao fenômeno, que o cético, em geral, não podia rejeitar ou julgar. De acordo às hipóteses céticas, o homem deveria não somente se abster de formular juízos definitivos, como também de agir. Ora, sendo isso impossível, o cético deveria se nortear de acordo à experiência da vida cotidiana. Desse contexto formam parte os costumes aceitos, bem como as técnicas utilizadas pelas comunidades humanas. A respeito, Sexto Empírico escrevia: “Submetendo-nos (de forma não dogmática) a esses parâmetros, podemos passar do julgamento à ação”.

4 – Sexto Empírico sustentava a hipótese de que a epoch (epoché) não poderia ser radical, ao ponto de suspender todos os conhecimentos. Assim, defendia uma ética do senso comum. Embora, como pirroniano, aceitasse a indiferença (adiaphora) em face das soluções morais, reivindicava, também, a importância da experiência empírica. Por esse motivo, considerava que a vida prática dever-se-ia nortear por quatro guias: a experiência da vida, as indicações que recebemos da natureza através dos sentidos, as necessidades do corpo e as regras das artes. O filósofo criticava o silogismo, que era considerado, por ele, como um círculo vicioso e contraditava, também, a noção de signo, tão cara aos estóicos. Criticava, outrossim, a teologia estóica, destacando as contradições que abrigava a noção de divindade, pois se tudo quanto existe é corpóreo (como acreditavam os estóicos), Deus não poderia deixar de ser material e, portanto limitado (deixando, portanto de ser Deus).

5 - Com Arcésilas (315-240 a.C) a Nova Academia de Atenas tomou um rumo renovado, influenciada pelo pirronismo. A finalidade da epoch (epoché) seria, antes de mais nada, o conhecimento certo. Os céticos da Nova Academia disputaram com os estóicos a propósito da existência de representações catalépticas, que nos obrigam a aderir a elas. Não existem critérios de verdade, mas unicamente de probabilidade. As representações somente podem ser críveis, ou também sem impedimento, ou seja, que não estejam em contradição com alguma representação. A certeza mais provável aparece quando a representação é totalmente examinada.

FÍLON DE ALEXANDRIA (20 a. C. - 50 d. C.)

Fílon de Alexandria foi um filósofo judeu do século I, destacou-se como o primeiro pensador que tentou uma conciliação entre a Tradição Bíblica e a Filosofia Helenística. A comunidade judaica de Alexandria era muito numerosa e pesava pela sua cultura, bem como pela presença no comércio. Aspectos que se destacam na obra de Fílon: ele adotou, em primeiro lugar, um projeto filosófico-teológico; em segundo lugar, formulou uma teoria acerca dos três planos de que se compõe a realidade e, em terceiro lugar, partiu para identificar o caminho pelo qual podemos chegar ao Absoluto, que consiste no conhecimento de Deus pelas suas obras.

1 – Projeto filosófico-teológico.  Fílon tentou traduzir o conjunto doutrinário contido no Antigo Testamento, considerado como um todo coerente e articulado, em termos das grandes correntes da sabedoria helênica e helenística, procurando convergências com a Revelação judaico-cristã. Baseado na versão grega do texto bíblico denominada Dos Setenta Septuaginta (LXX), Fílon interpretou o texto tanto alegórica como literalmente. Ele considerava a tradução grega da Bíblia tão inspirada por Deus como o original hebraico, e defendendo que as versões hebraica e grega deveriam ser tratadas “com temor e reverência, como irmãs, ou antes como uma e a mesma coisa, tanto no assunto como nas palavras” (De Vita Mosis 2.40)[1].

Para efetivar a sua nova interpretação do texto bíblico, Fílon recorreu, de forma predominante, às filosofias platônica e aristotélica, bem como à estóica, selecionando as soluções por elas propostas e partindo para um ousado esforço hermenêutico dos textos bíblicos. O Antigo Testamento, em que geralmente se alicerçou, foi interpretado seguindo três graus de alegoria: a - sentido cosmológico (referente à natureza), b - sentido psíquico (relativo ao espírito humano) e c - sentido mítico (apontando aspectos ocultos ou misteriosos da vida divina).

2 – Três planos da realidade. O primeiro plano, para Fílon, estava constituído por Deus e pelo Logos. O pensador definia Deus como o Ser, interpretando metafisicamente as palavras de Yahvé a Moisés no Êxodo: “Eu sou o que sou” e “Eu sou Aquele que é”. Deus é a realidade suprema, transcendente, não redutível ao mundo. O Logos é a primeira obra de Deus e Lhe está subordinado; é anterior ao mundo dos arquétipos, criados previamente como modelos do mundo material, também criação de Deus. O Logos é o Demiurgo, imagem e sombra de Deus. O segundo plano da realidade estava constituído pelos mediadores criados, situados abaixo do Logos, os Anjos. Eles são colaboradores por ordem de Deus na construção do mundo dos arquétipos, e superiores a estes. “Anjos” é o nome dado, também, aos espíritos que podem se unir a um corpo, tornando-se, assim, almas dos homens. O Homem e o Mundo constituem o terceiro plano da realidade, o mais inferior por estar vinculado à matéria.

3 – Conhecimento de Deus pelas suas obras. Inatingível na sua Essência, Deus pode ser conhecido, na sua Existência, graças às suas obras, que são de dois tipos: a – a existência de perfeições finitas no mundo exterior (que pressupõem, à maneira platônica, a existência de uma Perfeição Infinita); b – a ação divina no interior do homem, pela profecia.



[1] Cf. “Filon, um exegeta e intérprete da Escritura”, in: http://chreia.net/filon/?p=191 .

O ESTOICISMO

Busto parcial em mármore de Crisipo de Soli (281-208 a.C), o primeiro sistematizador do Estoicismo -  Cópia romana de um original helenístico, Museu do Louvre, Paris.

Esta corrente recebe o seu nome do termo stoa (= pórtico), pois eram esses lugares os preferidos  pelos Estóicos para o ensino da filosofia. O primeiro sistematizador da escola estóica foi Zénon de Citium (336-264 a.C). Esta corrente exerce uma grande influência, como escola filosófica que vai do Período Helenístico até a Antigüidade tardia. O Estoicismo divide-se em três períodos: a) Antigo, formulado pelo fundador da Escola, Zénon de Citium, pelo seu discípulo Cleantes (morto em 232 a.C) e Crisipo de Soli (281-208 a.C), que dá ao sistema clássico a sua maior homogeneidade. Os estudiosos consideram que, se Crisipo não tivesse existido, não haveria Estoicismo. B) Estoicismo médio, cujos representantes foram Panécio (180-110 a.C) e Posidônio (135-51 a.C), e que se ocuparam de transmitir o pensamento estóico a Roma e atenuaram a dureza da ética inicial. C) Estoicismo tardio ou imperial, representado especialmente por Sêneca (4 a.C-65 d.C), o liberto Epicteto e o imperador Marco Aurélio (121-180), autor da obra intitulada: Ta eis eauton  (= Para si próprio), que foi traduzida sob o título de Pensamentos.

Esta obra não possui propriamente um caráter sistemático, nem abriga a intenção de apresentar um sistema filosófico organicamente estruturado; procura, sim, responder, em nome de uma concepção especulativa geral, às angústias, às dúvidas, aos sentimentos dissolventes que assaltam o espírito. Na trilha de Sêneca e Epicteto, Marco Aurélio imprimiu à Filosofia um tom meditativo e contemplativo. O recolhimento no interior de si próprio é a expressão do profundo desejo de comunicação com a divindade, com a natureza e com a Humanidade. É no exercício espiritual do diálogo consigo próprio que a razão encontra o caminho para bem conduzir, dia após dia, uma alma perturbada pelas paixões, pelas incertezas, pelos excessos do desejo, pelo horror do vazio e da morte.

A finalidade do Estoicismo tardio consiste em formular uma regra para a vida, sendo, portanto, as questões morais centrais nesse tipo de meditação. Com o Estoicismo tardio, esta corrente de pensamento converteu-se numa espécie de filosofia popular.

As partes da Filosofia, segundo o Estoicismo, são as seguintes: Lógica, Física e Ética. Essa divisão não é universal no contexto da Filosofia Grega (por exemplo, não é feita por Aristóteles). Ela se explica em decorrência do lugar progressivamente mais importante e novo que o homem ocupa no pensamento filosófico. A reflexão antropológica gira ao redor do conhecer (Lógica), do conhecido (Física) e do cognoscente (Ética). Os Estóicos ilustravam o sentido das mencionadas disciplinas com a ajuda, entre outras, da imagem do pomar: a Lógica corresponde aos muros do pomar; a Física diz relação à árvore que cresce em direção ao céu e a Ética se refere aos frutos do jardim.

Em cinco itens podemos sintetizar a Filosofia Estóica:

1 – A Lógica abarca, ao lado das pesquisas da lógica formal, a teoria da linguagem, como base do conhecimento. Os Estóicos adicionaram, à silogística, mais cinco formas de inferências hipotéticas, eventualmente disjuntivas, segundo as quais todas as conclusões válidas devem poder se extrair. As variáveis não valem aqui para os conceitos, mas para as proposições (= proposições lógicas). Desta forma,

·        Se A existe, então B existe. Ora, A existe. Logo B também existe.
·        Se A existe, então B existe. Ora, B não existe. Logo A tampouco existe.
·        A e B não podem existir juntas. Ora, A existe. Logo B não existe.
·        Ou A ou B existe. Ora, A existe. Logo B não existe.
·        Ou A ou B existe. Ora, B não existe. Logo A existe.

A Filosofia da Linguagem dos Estóicos tem por objeto o nascimento das palavras (etumologia). Eles consideravam que era possível se achar a origem de cada palavra. Relacionavam, por exemplo, o genitivo de Deus (Teou) com o verbo zen (= viver).

A Teoria da Significação dos Estóicos distinguia os seguintes conceitos: significantes, significados e objeto real. O significante é uma imagem sonora ligada, portanto, à voz e aos seus efeitos, como algo corpóreo. O objeto pertence também ao espaço da física. O significado (lekton), pelo contrário, é incorpóreo, pois é fruto de uma atividade intelectual, em decorrência do fato de que é somente pela participação da razão que se constitui, tornando a expressão vocal uma língua com sentido. Falar, para os Estóicos, equivale a produzir uma expressão vocal que significa alguma coisa pensada. Ferdinand de Saussure (1857-1913), na sua pesquisa sobre a Lingüística, retomou os conceitos dos Estóicos acerca da linguagem.

2 – A Teoria do Conhecimento dos Estóicos tem um perfil empirista, ao partir da base material do mesmo. Para Crisipo, a percepção modifica o estado da nossa alma material, ou se incrusta na nossa alma como na cera, segundo explicava Zenon de Citium. A impressão nascente se liga a várias percepções; essas impressões nascentes são chamadas pelos Estóicos de prolepsis (antecipação). Projetando-se sobre as impressões provenientes das percepções, o Logos (= a Razão humana) forma os conceitos. Assim, completa-se a apreensão. A verdadeira apreensão de um objeto pressupõe, então, na alma, um reflexo fiel da natureza, que é confirmado pela atividade da razão. O saber é, para os Estóicos, uma compreensão (= katalepsis)  inquebrantável, que não pode ser destruída por nenhum princípio racional.

Este seria, então, o esquema do conhecimento, segundo os Estóicos:

Objetos - Percepção sensível - Impressão sobre a alma material - Antecipação (prolepsis) - Logos que examina (levando em consideração a Antecipação sobre a alma material e a Prolepsis - Lógos que adere e produz o conceito que representa os Objetos apreendidos.

3 – A Teoria Física dos Estóicos pode ser sintetizada assim: O Ser é designado como “aquilo que age, ou que sofre uma ação”. Aquilo que age é o logos; aquilo que é passivo é a matéria (ule). O logos é a razão universal que empurra, tal como um sopro (pneuma) a matéria sem qualidade e completa, assim, o seu desenvolvimento ordenado. Em todas as coisas há  “núcleos de logos” (logoi spermatikoi), ou logos criadores, nos quais está contido, de forma potencial, o seu desenvolvimento racional. A propósito, Crisipo escrevia: “O logos está ligado de forma indissociável à matéria; ele está misturado a ela, penetra-a totalmente, confere-lhe forma e figura e cria, assim, o universo”.

O elemento original é o fogo. A partir dele se desenvolvem os outros elementos (ar, água, terra), bem como o universo concreto. Enquanto calor, o fogo penetra todas as coisas e constitui o seu sopro de vida. Assim, ele é também alma e força que ordena todas as coisas segundo a razão. Os Estóicos imaginaram um ciclo: como o mundo surgiu de um fogo original, ele extinguir-se-á nesse mesmo fogo. Após esta conflagração universal, o mundo das coisas individuais e concretas renascerá novamente.

O ciclo do mundo segundo a Física estóica pode ser assim ilustrado:


Fogo original - Elementos: Ar / Terra / Água - Mundo (integrado por Matéria e Logos) - Sementes do Logos (Razão / Sopro de vida /Força que confere Forma) - Mergulho do Mundo no Fogo original.

4 – Teologia estóica. Ela gira ao redor do Logos: Deus é a força criadora primeira, a causa primeira de todas as coisas. Ele é o Logos que abriga em si os germes racionais de todas as coisas. O fogo que modela, o Logos que ordena ou, ainda, Zeus são caracterizados como Deus. Para os Estóicos, o cosmo que produz toda a vida e todo o pensamento é um ser vivo cuja alma é divina. Da racionalidade do Logos decorre uma ordem portadora de um fim e um plano das coisas e dos acontecimentos. A propósito deste ponto, escreve M. Forschner: “Emerge daí a idéia de um mundo teleológico perfeitamente ordenado, no qual o encadeamento de tudo apresenta uma ordem razoável, elaborada e posta progressivamente em marcha por uma única e idêntica força divina”. Essa ordem determinada foi chamada pelos Estóicos de destino  (eimarmene) e a sua finalidade determinada foi denominada de providência (pronoia) ou previsão. Não podemos escapar à necessidade (anagke) no mundo.

5 – Ética estóica. Como o curso do mundo exterior é determinado casual e teleologicamente, o homem não pode fixar-se nos bens exteriores ou materiais. No seu poder somente resta a atitude interior. A respeito, Sêneca escreveu: “Uma grande alma é aquela que se abandona ao destino; uma alma mesquinha e degenerada é aquela que pretende lutar contra ele”.  O espaço de liberdade exterior que resta ao homem deve-se canalizar na adesão ao seu destino. A finalidade do homem consiste em viver de acordo à natureza. Assim, ele conquista a harmonia, que conduz a um desenrolar bem-sucedido da vida e à felicidade. Esta somente pode ser atingida quando nenhum afeto vem turbar a paz da alma. O afeto consiste num impulso excessivo. Nasce de uma impressão à qual é atribuído um valor falso. Torna-se, em decorrência disso, paixão (pathos). Ora, como o homem só pode atingir dificilmente tal objeto, fica insatisfeito.

O ideal estóico é a apatia, ou libertação dos afetos desordenados. Os Estóicos distinguiam quatro tipos de afetos: prazer, desprazer, desejo e medo. É necessário evitar os excessos deles com a ajuda da reta razão (orqos logos). Um impulso só se converte em afeto, quando a razão aprova o valor de seu objeto. O juízo de valor justo das coisas impede desejar falsos bens, ou cria um desgosto pelos males perigosos. Compete ao juízo fazer com que os bens exteriores não possuam nenhum valor, em face da busca da felicidade interior. A propósito, escreve M. Hossenfelder: “O afeto nasce quando a razão assinala ao instinto um mau objetivo, cuja negação ela deplora”. Os Estóicos dividiam as coisas em boas, más e indiferentes. As coisas boas são as virtudes, as más o contrário delas (os vícios) e as indiferentes são aquelas coisas que não aportam nada à felicidade, mas tampouco produzem infelicidade.

Igualmente, os Estóicos distinguiam três tipos de ações: más, que resultam de um julgamento falso; boas, que resultam de um julgamento correto e intermediárias ou adequadas, nas quais se realiza uma predisposição natural contida nelas. Estas não provêm de nenhum julgamento, mas realizam um bem natural.

A virtude é essencial à felicidade. Ela é constituída pelo julgamento ético sobre o valor das coisas. É a partir dela que surgem as outras virtudes (justiça, coragem, etc). A virtude, enquanto conhecimento, ensina-se e não se esquece. Não há intermediário entre a virtude e o seu contrário, pois somente podemos agir racionalmente. Sobre a reta razão funda-se a relação justa, em face das coisas e dos impulsos. A harmonia conquistada é, então, a felicidade.

Uma das idéias estóicas centrais é a teoria da atribuição (oikeiosis). Ela consiste no esforço ético do homem para tomar consciência da sua natureza e agir de acordo com ela. O homem se atribui as coisas que, segundo o seu juízo, são conformes à sua natureza. Em decorrência disso, distingue-as, dividindo-as em duas categorias: as que lhe são úteis e as que lhe são prejudiciais. Isso é feito seguindo a tendência de todo ser vivo à auto-suficiência. Ao crescer, o homem descobre a razão como sendo a sua verdadeira essência natural. Mas ela não é entendida de forma solipsista – como ocorrerá depois com o cartesianismo, pois o indivíduo, para o pensamento estóico, não se pertence a si próprio, mas também aos pais, aos amigos, etc., sendo que, finalmente, todos estamos ligados à Humanidade. No Estoicismo, a felicidade depende da nossa capacidade interior de coincidirmos com o curso do mundo que, na sua essência, é inteiramente determinado. A dor provém da recusa, por parte do homem, dessa ordem de coisas, tal como está estabelecida, ou na cegueira, que consiste em se atribuir mais liberdade do que aquela que realmente possuímos. As paixões negativas nascem, em nós, da inadequação entre aquilo que o indivíduo crê e o que a razão lhe assinala. É por isso que a harmonia entre o indivíduo e o cosmo é fonte de felicidade e decorre de uma racionalidade comum aos dois.

EPICURO DE SAMOS (341-270 a. C.)



Natural da Ilha de Samos, viveu no período helenístico, num momento importante da evolução da cultura grega, ao ensejo da inserção de Atenas no vasto império de Alexandre o Grande da Macedônia (356-323 a.C). A paideia foi substituída por uma filosofia que buscava a realização subjetiva e pessoal e, no contexto desta, cultivava um ideal de conhecimento que valorizava a ciência pela ciência. É então quando surge a figura do intelectual erudito. O século II a.C viu surgirem grandes cientistas, muitos deles ligados ao Museu de Alexandria: Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Eratóstenes. Distanciada das preocupações políticas da cidade-estado, a filosofia aspira ao estabelecimento de normas universais para a conduta humana e se propõe a orientar as consciências. O problema ético torna-se, assim, o centro da especulação filosófica de diferentes correntes de pensamento.

Ainda jovem, Epicuro partiu para a cidade de Téos, na costa da Ásia Menor. Em Samos, tinha sido discípulo de Pânfilo, pensador de inspiração platônica. Contavam os seus contemporâneos que, em certa ocasião, ainda criança, ao ouvir falar do mito de Hesíodo segundo o qual todas as coisas provieram do Caos, perguntou: “e o Caos de onde veio?” O pensamento epicurista foi influenciado pela teoria atomística de Demócrito de Abdera (460-370 a.C). O nosso pensador ensinou filosofia em várias cidades (Lâmpaso, Mitilene e Cólofon), até que, por fim, se estabeleceu em Atenas, onde fundou a sua própria escola.

O cerne do pensamento epicurista consiste numa ética. As éticas helenísticas partem à procura do bem individual e de uma sabedoria que represente a plenitude da realização subjetiva, que consiste na perfeita serenidade interior, independentemente das circunstâncias exteriores. O bem das éticas helenísticas terá uma acepção estritamente existencial: é o bem como sinônimo do que é bom para o indivíduo.

No seio das várias correntes que passaram a ser cultivadas no ciclo da Filosofia Helenística, encontramos três caminhos para atingir a serenidade interior ou ataraxia: em primeiro lugar, o seguido pelas escolas epicurista (Epicuro, Lucrécio) e estóica (Crisipo, Panécio, Sêneca, Marco Aurélio), que consiste em pressupor que a ciência sobre a natureza das coisas constitui a base da moral. Em segundo lugar, o caminho seguido pela escola cética (fundada por Pirro de Elis), e que parte da pressuposição de que à imperturbabilidade do espírito só se chega partindo da suspensão de qualquer julgamento, renunciando a qualquer tipo de explicação científica, abandonando-se toda pretensão de atingir certezas intangíveis. Em terceiro lugar, temos o caminho representado pela escola eclética (do qual é representante exímio o orador latino Cícero), que parte para o estabelecimento de um critério que se sobreponha às disputas entre as escolas, tomando o que de bom aproveitável houver em todas elas, de acordo com a necessidade da busca da paz interior; esse bom aproveitável constituiria o senso comum e a base para um consenso universal entre os seres humanos.

Manifesta-se, no Helenismo, acentuada tendência à fusão ou ao sincretismo religioso. Um exemplo dessa tendência é Plotino (204-270) e a sua Escola Neoplatônica. Para ele, todos os seres resultam de sucessivas emanações do Um divino, transcendente e inefável.

Podemos sintetizar o pensamento filosófico de Epicuro nos seguintes itens:

 1 - A Filosofia, no contexto do Epicurismo, deve servir ao homem como instrumento de libertação e como via de acesso à verdadeira felicidade. Esta consistiria na serenidade do espírito, que advém da consciência de que é ao homem que compete conseguir o domínio de si mesmo.

2 - A Filosofia Epicurista apresenta-se sob a modalidade de três disciplinas que se complementam: a Lógica, a Física e a Ética. A primeira ensina a distinguir as formas de conhecimento verdadeiras das falsas. Reduz a origem do conhecimento à experiência sensível. A Física apresenta as bases materiais do conhecimento e da existência do homem. A Ética ajuda o homem a superar os temores ancestrais, a fim de conquistar a ataraxia ou paz do espírito.

3 - Três princípios comandam a Física de Epicuro: Nada nasce do não-ser; Nada desaparece no não-ser; O Todo é tal como é agora e assim será para sempre. O Todo é constituído unicamente de corpos e de vácuos A existência dos primeiros é conhecida pela percepção. O vácuo é pressuposto graças ao repouso e ao movimento dos corpos. A Física de Epicuro deita raízes no atomismo de Demócrito de Abdera, tendo assumido dessa teoria os seguintes princípios: em primeiro lugar, os corpos são agregados de átomos; em segundo lugar, os átomos não possuem qualidades além da figura, a massa e o tamanho; em terceiro lugar, os átomos só são divisíveis matematicamente, não fisicamente; em quarto lugar, as formas dos corpos resultam da diversidade da figura dos átomos; em quinto lugar, os átomos caem sob efeito da sua massa, de forma contínua e paralela, no espaço. Graças à casualidade alguns mudam de direção, se agregam e, assim, produzem os corpos.

4 - A Ética é disciplina central da doutrina de Epicuro. Todo ser vivo busca naturalmente o prazer e foge da dor. A meta da vida é o prazer. Ora, este consiste, para Epicuro, na ausência de dores e de temores. No momento em que são descartadas as penas físicas (devidas à carência ou à falta de um bem essencial), bem como as psíquicas (decorrentes da angústia), conquista-se o prazer. O nosso autor destaca o caráter acessível deste. Uma vez satisfeitas as necessidades elementares (tais como fome, sede, etc.), não há mais intensificação do prazer, mas unicamente variações do mesmo. Tudo no mundo é explicado pela física, inclusive a morte, que consiste na dispersão dos átomos de que um ser vivo é formado. A morte não deve ser temida por nós porque não é um estado de nós mesmos. A ética aponta para a busca do prazer duradouro na ataraxia, ou estado de confiança proporcionado pelo gozo do prazer e ausência da dor e de qualquer preocupação. Dentre os sentimentos humanos deve-se dar prelação à amizade.

5 - A Lógica ou Teoria do Conhecimento é chamada por Epicuro de “canônica”. As bases físicas daquele são as imagens. Elas nascem do salto dos átomos da superfície dos corpos. Essas imagens produzem, no observador, uma imagem mais fina dos objetos, na alma material. A percepção sensível é a base da verdade. A respeito, afirma Epicuro: “Efetivamente, tudo quanto o espírito conhece, seja pela observação direta, seja pela intuição do pensamento, é verdadeiro”. Pela repetição de imagens ou de impressões chegamos aos pré-conceitos (ou prolepsis). As opiniões (doxai), elaboradas pela razão, devem ser verificadas pela percepção sensível.

6 - Teoria da necessidade e da felicidade. Epicuro divide as necessidades humanas em três grupos: Naturais e necessárias, naturais e não necessárias e vazias (que nascem de uma opinião falsa). A satisfação das necessidades do primeiro grupo é acessível sem pena. Epicuro valoriza, por este motivo, a moderação como uma virtude importante. O juízo calcula as vantagens e os inconvenientes de acordo com um “cálculo de prazeres”. Tal cálculo é útil porque ajuda a evitar o prazer que pode causar desprazer, em decorrência de uma dor física ou de uma inquietação da alma. A atividade política, por exemplo, causa tantas incertezas no curso da vida, que é preferível se recolher à vida privada.

A alma, livre das inquietações e das confusões, chega, assim, a um acréscimo da ausência de dores físicas e à ataraxia (ou seja, a uma vida reta, sem inquietações). Para garantir a conquista da ataraxia, é necessária a prática das virtudes. O sábio orientar-se-á, por exemplo, segundo a justiça, pois, caso contrário, não poderia estar ao abrigo das sanções da sociedade. O que é justo consiste numa convenção que os homens ratificam para proteger o que lhes é útil. À luz desses ensinamentos epicuristas, frisava o filósofo romano Cícero, um dos representantes da chamada corrente eclética: “Devemos nos orientar segundo a sabedoria que se oferece a nós como a nossa melhor guia”. Afastar as opiniões falsas permite-nos superar as angústias que colocam em risco a paz interna ou ataraxia.

7 - No que tange à teologia, Epicuro acha que os deuses não intervêm na vida dos homens, pois eles gozam, no Olímpio, de uma existência feliz, da qual não abrem mão para se preocuparem com os afãs dos mortais. Epicuro não pensa que o curso do mundo seja regido pela necessidade ou pelo destino. Estamos entregues, nesta vida, a nós mesmos e ao que possamos fazer pela nossa paz interna para conquistarmos a ataraxia.

ARISTÓTELES (384-324 a. C.) E O EQUILÍBRIO ENTRE METAFÍSICA E EXPERIÊNCIA

Aristóteles (detalhe da tela de Rafael, A Escola de Atenas)
Aristóteles nasceu em Estagira (Macedônia) em 384 a.C. e morreu em Cálcis, na Ilha de Eubea, em 324 a.C. Durante 20 anos, entre 367 e 347 a.C. foi discípulo de Platão (427-347 a.C.), na Academia.

Por volta de 342 a.C. foi-lhe confiada a educação de Alexandre (356-323 a.C.), filho de Filipe II (382-336 a.C.), rei da Macedônia, missão que o nosso pensador cumpriu até 335 a.C. Nesse ano Aristóteles fundou, em Atenas, no Liceu, a sua própria escola, chamada de peripatética e nela desenvolveu a docência da filosofia e das ciências até 323 a.C., quando se retirou  à ilha de Eubea (terra da sua mãe), no Mar Egeu.

Os escritos do filósofo que conhecemos, na sua maior parte estão constituídos pelas notas de aula tomadas pelos seus discípulos, nos cursos que ofereceu no Liceu. Esses escritos eram chamados, pelo próprio Aristóteles, de esotéricos. Diferentemente de Platão, que escreveu a sua obra no elegante dialeto ático, Aristóteles utilizou a língua comum, a koine (ou grego vulgar), que se estendeu como língua franca ao longo da bacia do Mediterrâneo, e que deu ensejo à grande globalização cultural do Império de Alexandre.

Em 7 itens podemos sintetizar o essencial do pensamento de Aristóteles:

1 - Com Aristóteles encontramos um sistema filosófico completo. A sua obra pode ser agrupada em cinco grandes blocos, assim:

I – Lógica, que abrange seis obras, genericamente denominadas de Organon: Categorias, Da Interpretação, Primeiros Analíticos, Segundos Analíticos, Tópicos e Refutação dos Sofistas.

II – Escritos Científicos, integrados por quatro obras: Física, De Anima, Partes dos Animais e Astronomia.

III – Metafísica, que inclui os quatro livros que levam esse título.

IV – Ética, com as seguintes obras: Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo, Magna Ética, Política e Constituição de Atenas.

V – Poética, que abrange dois escritos: Retórica (8 livros) e Poética.

2 – No conjunto de obras que integram o Organon, notadamente nos Analíticos e nos Tópicos, Aristóteles formula a sua Lógica Formal, que estuda os esquemas de raciocínios válidos, independentemente do conteúdo dos mesmos. A Lógica Aristotélica foi aperfeiçoada, posteriormente, por Boécio[1] (480-524) e por Pedro Hispano[2] (1205-1277). A Lógica Formal de Aristóteles foi recebida, na tradição medieval, como parte da Filosofia e se denominava “logica minor”, sendo que a “logica maior” correspondia à Teoria do Conhecimento.

A Lógica Formal somente se começou a distanciar da Filosofia no século XVII, quando Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) formulou a sua Ars Combinatoria, que deitou os alicerces da Lógica Matemática, a partir do princípio de que seria possível substituir os conceitos, nos raciocínios, por símbolos matemáticos. Com essa base, Leibniz pretendia evitar as disputas sobre conceitos com significação equívoca, atribuindo, a cada um deles, uma significação exata, expressa em símbolos matemáticos.

As hipóteses de Leibniz foram aperfeiçoadas, do ângulo matemático, por George Boole (1815-1864), na obra intitulada: Uma interpretação das leis do pensamento em que se fundamentam as teorias matemáticas da Lógica e das Probabilidades (1857). Esta obra deu ensejo à denominada álgebra booleana, ou conjunto de técnicas algébricas para lidar com expressões no cálculo proposicional. Com base nesse fundamento, a Lógica Matemática foi sistematizada, no século XX, por Bertrand Russell (1872-1970) e Alfred North Whitehead (1861-1947), na obra: Principia Mathematica (1913). Mais adiante, na metade do século XX, foi formulada a Lógica dos Circuitos pelo engenheiro norte-americano Claude Shannon (1916-2001), com a obra intitulada: A mathematical Theory of Communication (1948), na qual os símbolos matemáticos são substituídos pela Lógica Binária (passível de ser traduzida em impulsos eletrônicos). Essa é a base da linguagem e da memória artificial utilizadas nos hodiernos computadores.

Como se pode observar, longa foi a caminhada da Lógica Formal até as manifestações contemporâneas dessa especialidade que, sem Aristóteles, certamente não teria chegado até os magníficos resultados que apresenta, hoje, como disciplina autônoma no terreno das ciências.

3 - Na Teoria do Conhecimento, Aristóteles partiu para elaborar um ponto de vista transcendente ou realista, como tinha feito o seu mestre Platão. No entanto, o cerne da gnosiologia aristotélica não é constituído, como em Platão, pela hipótese de Idéias subsistentes e independentes do mundo. Para Aristóteles, o fundamental é o conhecimento da realidade que nos circunda, e é aí que ele coloca a sua noção do substância primeira (prote ousia), que é definida como aquilo que é em si e não em outro. As substâncias externas, objeto da nossa experiência sensível, são as substâncias primeiras. Elas são formadas por matéria (ule) e forma (morfe). A forma das realidades substanciais conhecidas pelos sentidos movimenta a razão humana, que se encontrava em potência (intellectus patiens, segundo a terminologia escolástica). Ativada pela forma substancial, a razão fica em estado de ato (intellectus agens) e se torna capaz de agir, elaborando representações das formas substanciais intuídas na experiência.  A partir da intuição, pela razão, da essência da substância concreta (ou seja, da sua forma), é elaborada uma representação abstrata da mesma, que o Estagirita denomina de substância segunda (deutere ousia) denominada também de conceito universal, e que consiste numa representação abstrata da substância primeira. O processo do conhecimento se completa mediante a predicação, pela razão, no juízo, em relação a uma substância primeira, da substância segunda, abstrata, que lhe é correspondente. Quando digo, por exemplo, “isso é um cachorro”, estou predicando a representação abstrata que repousa na minha razão, de um ente concreto que está diante de mim, o animal de quatro patas que eu chamo de “cachorro”.

Aristóteles valoriza a experiência (empeiria). Para ele, todos os nossos conhecimentos provêm dos sentidos. Os escolásticos sintetizaram esse princípio aristotélico da seguinte forma: “nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu”. Para o Estagirita, há cinco tipos de conhecimento, todos eles interligados, começando pelos sentidos e subindo até intelecção. Temos, em primeiro lugar, o conhecimento sensorial (aiszesis); em segundo lugar, o conhecimento empírico propriamente dito (empeiria); em terceiro lugar, vem o conhecimento técnico (tecne); em quarto lugar, temos o conhecimento científico, pelas suas causas, das substâncias ocultas atrás dos fenômenos (episteme) e, em quinto lugar, o conhecimento das totalidades à luz do ser (sofia).

A nossa razão atua como ordenadora dos fenômenos dispersos, mediante a intuição das essências substanciais das coisas que aparecem na experiência sensorial. Aristóteles valoriza o conhecimento das coisas da natureza pelas suas causas, bem como a classificação dos seres a partir da experiência, sendo que a Lógica fornece os instrumentos conceituais necessários para essa ação ordenadora. Dentre os conceitos que a Lógica oferece, sobressaem os de gênero e diferença específica. É possível fixar conceitualmente as características essenciais de uma determinada realidade, mediante a explicitação do gênero próximo ao qual ela pertence, adicionando a diferença específica, que é a responsável pela sua identidade, no contexto do gênero. Assim, por exemplo, a essência humana consistiria de duas notas: animal (gênero próximo) e racional (diferença específica). Utilizando esse mecanismo, Aristóteles realizou amplo trabalho de classificação dos seres vivos, dando início à taxonomia.

No que tange ao conceito de verdade, o Estagirita distingue dois tipos: verdades categóricas (aquelas referidas às substâncias que, no Cosmo, têm regularidade nas suas ações, o que os Gregos, de modo geral, denominavam de tropos) e verdades dialéticas (aquelas referidas ao comportamento humano, não totalmente previsível porquanto ancorado na liberdade de escolha, e que os pensadores gregos denominavam de antropos). Uma coisa é verdadeira quando, no juízo, afirmamos, de uma substância primeira, o conceito universal (ou substância segunda) que lhe corresponde. Assim, por exemplo, quando digo: “este animal é um cachorro”, a minha assertiva é verdadeira se, efetivamente, a essência do bicho que estou vendo é a de cachorro. Conseqüentemente, incorro em falsidade quando afirmo de uma substância primeira a substância segunda (ou o conceito universal) que não lhe corresponde (como quando digo de um cachorro que é gato).

4 – A Psicologia ou Tratado da Alma complementa a Teoria do Conhecimento de Aristóteles. O Estagirita distingue três partes da Alma, que remetem a três estratos da Natureza: a Alma Vegetativa ou Alma das Plantas; a Alma Sensível ou Alma dos Animais e, finalmente, a Razão, que somente se encontra no homem.

 Alma Vegetativa é responsável pela subsistência; a Alma Animal é responsável pela sensação e o movimento local e a Razão (nous) é responsável pela atividade intelectual. A Alma é o princípio formal de todo corpo. A respeito, frisa Aristóteles: “Assim, também, a alma é a entelequia primeira de um corpo natural que possui a vida em potência; tal é o caso do corpo organizado”.

Ao Espírito corresponde um estatuto particular: podemos subdividi-lo em Espírito Sensitivo (receptivo) e em Espírito Agente (ativo), um desempenhando a função de matéria (potencialidade) e o outro a função de forma (atualidade). O Espírito Sensitivo (que está em relação com as percepções da segunda parte da alma) recebe os objetos do pensamento segundo a forma, enquanto que o Espírito Agente representa o espírito todo-poderoso para a atividade da alma espiritual.

Ao contrário das outras partes da alma, o Espírito Agente não está ligado ao corpo e é, assim, imortal. Mas, como o pensamento não pode nascer senão da relação com a sensação, o Espírito, após a morte, não é mais um Espírito Individual (diferentemente do que Platão defende com a sua teoria da alma).

5 – A Teoria do Conhecimento em Aristóteles ancora na Metafísica. A ordem do conhecimento segue a ordem do ser. Neste aspecto, o Estagirita mantém-se fiel à herança platônica. Aristóteles, no entanto, pensa o Ser não como alicerçado num Sumo Bem distante do mundo, mas como o fundamento de tudo quanto existe. O Cosmo e o Homem estão presentes no Ser. Não há, portanto, um mundo separado de Idéias Eternas.

O Ser é partilhado pelos entes, mas eles não o esgotam. Aristóteles partiu, na sua Metafísica, para fundamentar as relações entre o Ser e os entes, mediante a sua doutrina da potência e do ato. Todos os seres do Cosmo, o homem inclusive, partilham limitadamente do Ser, pois são compostos de potência e ato.

6 – A dinâmica da Natureza, a partir dos conceitos de Matéria e Forma. Nos livros da Física, Aristóteles mostra que o Cosmo foi formado a partir de uma matéria primeira (prote ule), que constituiu os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) de que estão compostos todos os corpos. Potência e Ato, nesta dimensão que constitui a Natureza (fusis), relacionam-se como matéria (ule) e forma (morfe). Estes conceitos integram a denominada Teoria hilemórfica.

O Estagirita desenvolveu a sua teoria da causalidade, para explicar as relações entre os corpos no seio da Natureza. Quatro são as causas: material, formal, eficiente e final. Elas pressupõem a substância, onde se dá a sua dinâmica. Aristóteles reconhecia dois modos de ser ou categorias: ser em si (substância ou usia) e ser em outro (acidente). O ser em outro se pode dar de nove formas diferentes (que os escolásticos passaram a denominar com as seguintes expressões latinas: quantitas, qualitas, relatio, actio, passio, quando, ubi, situs e habitus). Na sua teoria da causalidade, Aristóteles dá destaque à causa eficiente e formula o princípio segundo o qual “tudo que se movimenta é movido por outro”, o que o leva a postular a existência do “motor imóvel”, causa primeira do movimento do Cosmo.

No seu tratado da Física, no livro II, o Estagirita oferece quatro definições acerca da Natureza (fusis): ela é “Princípio e causa de movimento e de repouso, para a coisa em que ela reside imediatamente e não por acidente”. A Natureza é, também, “A matéria que serve de sujeito imediato a cada uma das coisas que possuem em si um princípio de mudança e movimento”. O Filósofo ainda traz esta definição de Natureza: “Nas coisas que possuem em si um princípio de movimento, (ela) é a forma (eidos) e o tipo (morfe), separáveis só logicamente”. Sintetizando, a Natureza é, para Aristóteles, princípio de movimento e de crescimento. Um detalhe etimológico deve ser salientado: fusis (natureza) vem do verbo fuo (crescer). A quarta definição de Natureza é, segundo Aristóteles, a seguinte: “Sendo a natureza dupla, matéria de um lado e forma, de outro, e sendo ela um fim, e estando as demais (coisas) ordenadas a esse fim, ela será uma causa, a causa final”. A Física de Aristóteles é, conseqüentemente, uma física finalista, na qual é essencial a experiência, a fim de abarcar o conjunto de aspectos que rodeiam a Natureza.

Um outro conceito que, na Física, é importante para Aristóteles, é o de movimento. O Estagirita o define como surgimento, mudança, progresso ou degradação. O movimento, enquanto mudança de um ser vivo, é denominado de metabole, enquanto que entendido como mudança de lugar é denominado de kinesis. Existem, para o Estagirita, dois tipos de movimento: substancial, que recai sobre a substância e consiste na geração (genesis) ou na corrupção (fzora). O segundo tipo de movimento é o acidental, que não modifica essencialmente a substância, atingindo apenas algumas qualidades acidentais, tais como: crescimento e diminuição, alteração e translação.

7 - A ética aristotélica tem por objetivo o domínio da ação humana, em tanto que alicerçada numa decisão e a política é o terreno da sua aplicação social. Distingue-se a ética da filosofia teorética, que se dirige ao imutável e eterno.

Por natureza, segundo Aristóteles, todo ser tende a um bem que lhe é próprio e no qual encontrará a sua realização. O bem humano é a atividade da alma conforme à razão. Nessa atividade, o homem descobre a felicidade (eudemonía), que é independente das circunstâncias exteriores, como objetivo final das suas aspirações. Como frisa Aristóteles na sua Ética a Nicômaco, “O bem do homem consiste numa atividade da alma conforme à virtude”.

Aristóteles distingue entre virtudes dianoéticas (que se manifestam no exercício da razão) e virtudes éticas (que são transmitidas pela ordem estabelecida na sociedade e na Polis) sendo que elas recebem a sua validade da tradição e do consentimento universal. A virtude dianoética fundamental é a prudência (fronesis), que leva o homem a reconhecer os meios e os caminhos justos que conduzem ao bem. À luz dessa virtude o homem desenvolve a atitude ética, que se formata mediante a prática das virtudes (através do exercício, o hábito e a aprendizagem).

No que tange ao conteúdo, a virtude ética é definida como o justo meio (mesotes) entre dois extremos contrários. Assim, por exemplo: a coragem ocupa o lugar intermediário entre a covardia e a temeridade. A moderação é um intermédio entre a apatia e a excessiva vontade e a generosidade é o equilíbrio entre a avarícia e a prodigalidade.

A justiça (dikaiosune), para Aristóteles, é a virtude mais importante para a vida em comum. Em tanto que distributiva, ela cuida de distribuir os bens justamente; em tanto que corretiva, ela compensa os danos ou os prejuízos sofridos por alguém. Uma virtude essencial é, também, a amizade. Graças a ela, o homem experimenta a passagem dos interesses individuais àqueles que constituem a comunidade.

A ética aristotélica, contrariamente à platônica, é uma moral concreta da liberdade e da diferença entre os homens da cidade. Ela define um espaço de discussão, que deve permitir chegar a um bem soberano, que não é transcendente (como em Platão), nem imposto desde cima por algum sábio. O bem soberano aristotélico nasce exclusivamente do contato entre os homens livres.

No que tange à ordem política, diferentemente de Platão (que privilegiava o modelo aristocrático), ela é variada, para Aristóteles, podendo ser de três tipos: realeza (cuja degeneração é a tirania), aristocracia (cuja corrupção é a oligarquia) e politéia (politeia) ou governo do povo, (cuja degeneração é constituída pela democracia). Contrariamente a Platão, que no relativo ao conhecimento racional da realidade política dava prelação à Idéia sobre os conhecimentos empíricos, Aristóteles privilegia estes últimos. Nesse terreno, o filósofo de Estagira realizou estudos comparados, tendo chegado a identificar 158 formas de organização ou de constituição política. Desses estudos somente nos restou o escrito intitulado Constituição de Atenas.

Platão concebia uma visão ideal da política, ao passo que Aristóteles concebe uma idéia possível. Ele é partidário de um realismo político. Na obra Política, frisa o estagirita: “Deve-se, efetivamente, examinar não somente o melhor regime político, mas também aquele que é simplesmente possível”. Contrariamente a Platão, para quem os homens ingressavam no Estado em decorrência das suas fraquezas, Aristóteles considera que os homens procuram a ordem política movidos pela sua natureza sociável. A respeito, escreve: “O homem é por natureza um animal político”:
 anthopos fusei zoon politikon.

A linguagem é um signo de que o homem não está destinado unicamente à simples sobrevivência, mas a viver numa comunidade que deve chegar a acordos acerca do útil, do bom e do justo. Como Platão, Aristóteles considera que a tarefa do Estado consiste em possibilitar a realização ética dos cidadãos. No entanto, enquanto o mestre de Aristóteles considerava que a questão ética consistia em partir para um processo de catarse, a fim de o homem voltar à contemplação pura das Idéias no reino do Sumo Bem, para o Estagirita essa realização consiste em algo muito mais singelo e terreno: o amor da vida feliz e boa. É somente no seio do Estado que se pode desenvolver perfeitamente a virtude do indivíduo.

O Estado, para Aristóteles, se forma a partir de um conjunto de comunidades que vão se alargando. A propósito, frisa: “Na origem, existe a comunidade de duas pessoas (homem e mulher, pai e filho, amo e servo). Estes, juntos, constituem a família, a partir da qual, a seguir, constitui-se a aldeia e por fim a cidade (polis), que é o reagrupamento de várias aldeias”. É somente a partir da cidade que é garantida a autarquia (ou seja, o fato de se garantir, a si próprio, a independência e a auto-suficiência).

O princípio formal da polis, para Aristóteles, é a constituição. A respeito, frisa Aristóteles: “A cidade é uma espécie de comunidade e uma participação comum dos cidadãos no governo”. O filósofo divide as formas de constituição em três “tipos justos” (realeza, aristocracia, politéia). O critério de classificação é o número dos que participam do poder político: um, alguns, todos.

É boa a forma de governo que serve ao bem-estar geral; é ruim aquela que somente persegue os interesses dos que mandam. Aristóteles, não prefere, de entrada, uma das três formas de organização da polis mencionadas. Considera, contudo, que a mais realizável e a mais estável é a politeia (ou democracia moderada). É uma forma que mistura as vantagens das outras constituições e que realiza o princípio formulado na Ética, da virtude como justo meio entre os extremos. A propósito, Aristóteles escreve: “A melhor comunidade política é aquela que constitui a classe média[3] (...). O seu predomínio restabelece o equilíbrio da balança e impede a aparição dos excessos contrários”. Da análise histórica Aristóteles conclui que a melhor forma política, em cada caso, é aquela que melhor convém ao país e às necessidades dos cidadãos.

Em relação à questão da ordem interior do Estado, Aristóteles considera que é necessário preservar a família e a propriedade privada. Segundo Aristóteles, a família é ainda mais elementar que a aldeia e esta é mais elementar que o Estado ou a polis.  A família deve ser privilegiada em tanto que base da ordem natural da sociedade[4], mesmo se o Estado joga um papel essencial na educação da juventude. Em relação à propriedade privada, Aristóteles considera que “a propriedade deve ser privada, mas o seu uso deve ser comum”.[5] Nestes aspectos, certamente, o Estagirita se distancia dos ensinamentos do seu mestre Platão.

No que tange à estrutura interna da sociedade, Aristóteles reconhece, além da escravatura, a desigualdade natural entre homens e mulheres. Tanto uma quanto outra são “condições naturais” da vida humana. Mas, entre os homens livres, deve reinar a igualdade.


[1] Boécio era de família nobre e ocupou altos cargos na corte do rei ostrogodo Teodorico (454-526). Os estudiosos consideram Boécio como o último romano e o primeiro escolástico.
[2] Filósofo, médico e Papa com o nome de João XXI, nascido em Lisboa, foi conhecido na Idade Média com o nome de Pedro Hispano Portucalense.
[3] É interessante destacar que este conceito de classe média inspirou aqueles autores que, na modernidade, tentavam encontrar um caminho justo entre os extremos da aristocracia (que prevaleceu no Ancien Regime) e do populismo manipulado pelo déspota (que se tornou o caminho do bonapartismo, após a Revolução Francesa). Para os doutrinários franceses, François Guizot (1787-1874) à testa, o modelo social que contaria com plena estabilidade na França seria o presidido pela classe média, sendo as eleições mecanismos para depurar a média da opinião. Tal conceito entrou a formar parte do jargão político brasileiro, no discurso dos liberais gaúchos, sendo Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938) um dos que adotaram tal terminologia.
[4] Este conceito de valorização da família como célula mater da sociedade, entrou a formar parte do arcabouço doutrinário dos pensadores escolásticos e foi adotado pela denominada Doutrina Social da Igreja Católica, que teve o Papa Leão XIII (1810-1903) como um dos seus principais formuladores.
[5] Este é um conceito básico da Doutrina Social da Igreja Católica e aparece em pensadores católicos de orientação liberal como Alexis de Tocqueville (1805-1859), que o utiliza com a denominação de “interesse bem compreendido”.