terça-feira, 20 de março de 2012

O ESTOICISMO

Busto parcial em mármore de Crisipo de Soli (281-208 a.C), o primeiro sistematizador do Estoicismo -  Cópia romana de um original helenístico, Museu do Louvre, Paris.

Esta corrente recebe o seu nome do termo stoa (= pórtico), pois eram esses lugares os preferidos  pelos Estóicos para o ensino da filosofia. O primeiro sistematizador da escola estóica foi Zénon de Citium (336-264 a.C). Esta corrente exerce uma grande influência, como escola filosófica que vai do Período Helenístico até a Antigüidade tardia. O Estoicismo divide-se em três períodos: a) Antigo, formulado pelo fundador da Escola, Zénon de Citium, pelo seu discípulo Cleantes (morto em 232 a.C) e Crisipo de Soli (281-208 a.C), que dá ao sistema clássico a sua maior homogeneidade. Os estudiosos consideram que, se Crisipo não tivesse existido, não haveria Estoicismo. B) Estoicismo médio, cujos representantes foram Panécio (180-110 a.C) e Posidônio (135-51 a.C), e que se ocuparam de transmitir o pensamento estóico a Roma e atenuaram a dureza da ética inicial. C) Estoicismo tardio ou imperial, representado especialmente por Sêneca (4 a.C-65 d.C), o liberto Epicteto e o imperador Marco Aurélio (121-180), autor da obra intitulada: Ta eis eauton  (= Para si próprio), que foi traduzida sob o título de Pensamentos.

Esta obra não possui propriamente um caráter sistemático, nem abriga a intenção de apresentar um sistema filosófico organicamente estruturado; procura, sim, responder, em nome de uma concepção especulativa geral, às angústias, às dúvidas, aos sentimentos dissolventes que assaltam o espírito. Na trilha de Sêneca e Epicteto, Marco Aurélio imprimiu à Filosofia um tom meditativo e contemplativo. O recolhimento no interior de si próprio é a expressão do profundo desejo de comunicação com a divindade, com a natureza e com a Humanidade. É no exercício espiritual do diálogo consigo próprio que a razão encontra o caminho para bem conduzir, dia após dia, uma alma perturbada pelas paixões, pelas incertezas, pelos excessos do desejo, pelo horror do vazio e da morte.

A finalidade do Estoicismo tardio consiste em formular uma regra para a vida, sendo, portanto, as questões morais centrais nesse tipo de meditação. Com o Estoicismo tardio, esta corrente de pensamento converteu-se numa espécie de filosofia popular.

As partes da Filosofia, segundo o Estoicismo, são as seguintes: Lógica, Física e Ética. Essa divisão não é universal no contexto da Filosofia Grega (por exemplo, não é feita por Aristóteles). Ela se explica em decorrência do lugar progressivamente mais importante e novo que o homem ocupa no pensamento filosófico. A reflexão antropológica gira ao redor do conhecer (Lógica), do conhecido (Física) e do cognoscente (Ética). Os Estóicos ilustravam o sentido das mencionadas disciplinas com a ajuda, entre outras, da imagem do pomar: a Lógica corresponde aos muros do pomar; a Física diz relação à árvore que cresce em direção ao céu e a Ética se refere aos frutos do jardim.

Em cinco itens podemos sintetizar a Filosofia Estóica:

1 – A Lógica abarca, ao lado das pesquisas da lógica formal, a teoria da linguagem, como base do conhecimento. Os Estóicos adicionaram, à silogística, mais cinco formas de inferências hipotéticas, eventualmente disjuntivas, segundo as quais todas as conclusões válidas devem poder se extrair. As variáveis não valem aqui para os conceitos, mas para as proposições (= proposições lógicas). Desta forma,

·        Se A existe, então B existe. Ora, A existe. Logo B também existe.
·        Se A existe, então B existe. Ora, B não existe. Logo A tampouco existe.
·        A e B não podem existir juntas. Ora, A existe. Logo B não existe.
·        Ou A ou B existe. Ora, A existe. Logo B não existe.
·        Ou A ou B existe. Ora, B não existe. Logo A existe.

A Filosofia da Linguagem dos Estóicos tem por objeto o nascimento das palavras (etumologia). Eles consideravam que era possível se achar a origem de cada palavra. Relacionavam, por exemplo, o genitivo de Deus (Teou) com o verbo zen (= viver).

A Teoria da Significação dos Estóicos distinguia os seguintes conceitos: significantes, significados e objeto real. O significante é uma imagem sonora ligada, portanto, à voz e aos seus efeitos, como algo corpóreo. O objeto pertence também ao espaço da física. O significado (lekton), pelo contrário, é incorpóreo, pois é fruto de uma atividade intelectual, em decorrência do fato de que é somente pela participação da razão que se constitui, tornando a expressão vocal uma língua com sentido. Falar, para os Estóicos, equivale a produzir uma expressão vocal que significa alguma coisa pensada. Ferdinand de Saussure (1857-1913), na sua pesquisa sobre a Lingüística, retomou os conceitos dos Estóicos acerca da linguagem.

2 – A Teoria do Conhecimento dos Estóicos tem um perfil empirista, ao partir da base material do mesmo. Para Crisipo, a percepção modifica o estado da nossa alma material, ou se incrusta na nossa alma como na cera, segundo explicava Zenon de Citium. A impressão nascente se liga a várias percepções; essas impressões nascentes são chamadas pelos Estóicos de prolepsis (antecipação). Projetando-se sobre as impressões provenientes das percepções, o Logos (= a Razão humana) forma os conceitos. Assim, completa-se a apreensão. A verdadeira apreensão de um objeto pressupõe, então, na alma, um reflexo fiel da natureza, que é confirmado pela atividade da razão. O saber é, para os Estóicos, uma compreensão (= katalepsis)  inquebrantável, que não pode ser destruída por nenhum princípio racional.

Este seria, então, o esquema do conhecimento, segundo os Estóicos:

Objetos - Percepção sensível - Impressão sobre a alma material - Antecipação (prolepsis) - Logos que examina (levando em consideração a Antecipação sobre a alma material e a Prolepsis - Lógos que adere e produz o conceito que representa os Objetos apreendidos.

3 – A Teoria Física dos Estóicos pode ser sintetizada assim: O Ser é designado como “aquilo que age, ou que sofre uma ação”. Aquilo que age é o logos; aquilo que é passivo é a matéria (ule). O logos é a razão universal que empurra, tal como um sopro (pneuma) a matéria sem qualidade e completa, assim, o seu desenvolvimento ordenado. Em todas as coisas há  “núcleos de logos” (logoi spermatikoi), ou logos criadores, nos quais está contido, de forma potencial, o seu desenvolvimento racional. A propósito, Crisipo escrevia: “O logos está ligado de forma indissociável à matéria; ele está misturado a ela, penetra-a totalmente, confere-lhe forma e figura e cria, assim, o universo”.

O elemento original é o fogo. A partir dele se desenvolvem os outros elementos (ar, água, terra), bem como o universo concreto. Enquanto calor, o fogo penetra todas as coisas e constitui o seu sopro de vida. Assim, ele é também alma e força que ordena todas as coisas segundo a razão. Os Estóicos imaginaram um ciclo: como o mundo surgiu de um fogo original, ele extinguir-se-á nesse mesmo fogo. Após esta conflagração universal, o mundo das coisas individuais e concretas renascerá novamente.

O ciclo do mundo segundo a Física estóica pode ser assim ilustrado:


Fogo original - Elementos: Ar / Terra / Água - Mundo (integrado por Matéria e Logos) - Sementes do Logos (Razão / Sopro de vida /Força que confere Forma) - Mergulho do Mundo no Fogo original.

4 – Teologia estóica. Ela gira ao redor do Logos: Deus é a força criadora primeira, a causa primeira de todas as coisas. Ele é o Logos que abriga em si os germes racionais de todas as coisas. O fogo que modela, o Logos que ordena ou, ainda, Zeus são caracterizados como Deus. Para os Estóicos, o cosmo que produz toda a vida e todo o pensamento é um ser vivo cuja alma é divina. Da racionalidade do Logos decorre uma ordem portadora de um fim e um plano das coisas e dos acontecimentos. A propósito deste ponto, escreve M. Forschner: “Emerge daí a idéia de um mundo teleológico perfeitamente ordenado, no qual o encadeamento de tudo apresenta uma ordem razoável, elaborada e posta progressivamente em marcha por uma única e idêntica força divina”. Essa ordem determinada foi chamada pelos Estóicos de destino  (eimarmene) e a sua finalidade determinada foi denominada de providência (pronoia) ou previsão. Não podemos escapar à necessidade (anagke) no mundo.

5 – Ética estóica. Como o curso do mundo exterior é determinado casual e teleologicamente, o homem não pode fixar-se nos bens exteriores ou materiais. No seu poder somente resta a atitude interior. A respeito, Sêneca escreveu: “Uma grande alma é aquela que se abandona ao destino; uma alma mesquinha e degenerada é aquela que pretende lutar contra ele”.  O espaço de liberdade exterior que resta ao homem deve-se canalizar na adesão ao seu destino. A finalidade do homem consiste em viver de acordo à natureza. Assim, ele conquista a harmonia, que conduz a um desenrolar bem-sucedido da vida e à felicidade. Esta somente pode ser atingida quando nenhum afeto vem turbar a paz da alma. O afeto consiste num impulso excessivo. Nasce de uma impressão à qual é atribuído um valor falso. Torna-se, em decorrência disso, paixão (pathos). Ora, como o homem só pode atingir dificilmente tal objeto, fica insatisfeito.

O ideal estóico é a apatia, ou libertação dos afetos desordenados. Os Estóicos distinguiam quatro tipos de afetos: prazer, desprazer, desejo e medo. É necessário evitar os excessos deles com a ajuda da reta razão (orqos logos). Um impulso só se converte em afeto, quando a razão aprova o valor de seu objeto. O juízo de valor justo das coisas impede desejar falsos bens, ou cria um desgosto pelos males perigosos. Compete ao juízo fazer com que os bens exteriores não possuam nenhum valor, em face da busca da felicidade interior. A propósito, escreve M. Hossenfelder: “O afeto nasce quando a razão assinala ao instinto um mau objetivo, cuja negação ela deplora”. Os Estóicos dividiam as coisas em boas, más e indiferentes. As coisas boas são as virtudes, as más o contrário delas (os vícios) e as indiferentes são aquelas coisas que não aportam nada à felicidade, mas tampouco produzem infelicidade.

Igualmente, os Estóicos distinguiam três tipos de ações: más, que resultam de um julgamento falso; boas, que resultam de um julgamento correto e intermediárias ou adequadas, nas quais se realiza uma predisposição natural contida nelas. Estas não provêm de nenhum julgamento, mas realizam um bem natural.

A virtude é essencial à felicidade. Ela é constituída pelo julgamento ético sobre o valor das coisas. É a partir dela que surgem as outras virtudes (justiça, coragem, etc). A virtude, enquanto conhecimento, ensina-se e não se esquece. Não há intermediário entre a virtude e o seu contrário, pois somente podemos agir racionalmente. Sobre a reta razão funda-se a relação justa, em face das coisas e dos impulsos. A harmonia conquistada é, então, a felicidade.

Uma das idéias estóicas centrais é a teoria da atribuição (oikeiosis). Ela consiste no esforço ético do homem para tomar consciência da sua natureza e agir de acordo com ela. O homem se atribui as coisas que, segundo o seu juízo, são conformes à sua natureza. Em decorrência disso, distingue-as, dividindo-as em duas categorias: as que lhe são úteis e as que lhe são prejudiciais. Isso é feito seguindo a tendência de todo ser vivo à auto-suficiência. Ao crescer, o homem descobre a razão como sendo a sua verdadeira essência natural. Mas ela não é entendida de forma solipsista – como ocorrerá depois com o cartesianismo, pois o indivíduo, para o pensamento estóico, não se pertence a si próprio, mas também aos pais, aos amigos, etc., sendo que, finalmente, todos estamos ligados à Humanidade. No Estoicismo, a felicidade depende da nossa capacidade interior de coincidirmos com o curso do mundo que, na sua essência, é inteiramente determinado. A dor provém da recusa, por parte do homem, dessa ordem de coisas, tal como está estabelecida, ou na cegueira, que consiste em se atribuir mais liberdade do que aquela que realmente possuímos. As paixões negativas nascem, em nós, da inadequação entre aquilo que o indivíduo crê e o que a razão lhe assinala. É por isso que a harmonia entre o indivíduo e o cosmo é fonte de felicidade e decorre de uma racionalidade comum aos dois.

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